quinta-feira, 24 de abril de 2008

Momento historiológico

Hoje pretendo demonstrar como o preconceito e a discriminação estão na base da formação da cultura brasileira, por meio da análise sociológica cuidadosa da aparentemente inocente cantiga infantil “Teresinha de Jesus”. Vamos a ela (a obra original está em negrito, e os comentários em itálico).

Teresinha de Jesus

A cantiga já se inicia em tom de desdém para com as diversas fés; o eu lírico faz questão de caracterizar a personagem principal como católica fervorosa, mesmo que esta esteja inserida nesta terra de grande sincretismo religioso que é o Brasil

De uma queda foi ao chão

Acudiram três cavalheiros

Repare que se considera que Teresinha não está apta a levantar-se sozinha por ser mulher; tampouco pode ser acudida por outras mulheres. Vê-se apenas o homem viril e machista como capaz de ajudá-la – homens esses pertencentes à elite econômica e cultural, já que são “cavalheiros”. Claro, porque homem que pega na enxada o dia inteiro ao invés de ficar às moscas ajudando qualquer mulher que leve um tombo por aí não é valorizado nesse país.

Todos três chapéu na mão

Aqui podemos ver a exaltação do consumismo – a formação do caráter cavalheiresco não se dá pelas ações, mas pelo fato de se ter um produto que o caracterize (no caso, um chapéu)

O primeiro foi seu pai

O segundo seu irmão

O terceiro foi aquele a quem Teresa deu a mão

A mulher brasileira é caracterizada aqui como sendo promíscua e cega aos valores familiares – Teresa renega a sua família e dá a mão (metáfora do útero) a um estranho completo

Da laranja quero um gomo

Do limão quero um pedaço

A oposição entre substantivos quantitativos – “pedaço” costuma implicar uma porção maior do que um simples “gomo” – constrói a imagem do brasileiro como sendo um povo azedo e mesquinho, preferindo a acidez do limão à doçura da laranja. Há também uma crítica à agricultura brasileira, que usa e abusa de manipulações genéticas e transgênicos a ponto de produzir aberrações como laranjas com gomos

Da loirinha quero um beijo

Da morena um abraço

Estes versos demonstram um deslumbramento excessivo pelos valores estrangeiros, representados pela mulher loira e portanto característica da Europa e da América do Norte, em detrimento daquilo que é nacional. O brasileiro abre mão de sua própria cultura, preferindo estabelecer com ela um relacionamento difuso e passageiro (um “abraço”), para “beijar”, trazer para dentro de seu corpo a saliva da cultura estrangeira

Meus caros, compreendo a expressão de total espanto que deve dominar seus rostos nesse momento – sim, são esses os valores que são ensinados às novas gerações desde a mais tenra infância, arraigando-se em suas mentes disfarçados de simples cantiga, com sua musicalidade monótona e facilmente digerível ultrapassando as barreiras da consciência crítica em formação. Muito cuidado com tudo o que cantarem para seus filhos na hora de embalar o sono, especialmente propícia para a instalação de condicionamentos subconscientes – não me façam nem mencionar as ideologias racistas contidas em “Boi da cara preta” ou o estímulo ao consumo presente em “Mamãe eu quero mamar”.

5 comentários:

Reggio Tartufo disse...

Perfeito.
Obrigado por abrir meus olhos.
De hoje em diante só vou cantar Mega Death para os meus futuros filhos.

Anônimo disse...

Estou em choque

Anônimo disse...

Caio Zamp. tem uma análise parecida da música do Pai Francisco (que entra na roda tocando seu violão).

Anônimo disse...

SONIAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Maurício disse...

há ainda a análise da Egüinha Pocotó, uma forte crítica a perda da inocência das novas gerações, e uma de Eduardo e Mônica, que consta neste link: http://www.palpitedigital.com.br/wp/2007/06/01/eduardo-e-monica-analise-bem-humorada/.

Devo ressaltar que a semântica do funk carioca é de complexidade e acidez incomparáveis, e que o brasileiro está cada vez mais consciente dos dogmas e preconceitos aos quais se prende.