sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cortina de Fumaça

Um dia, ao ler o jornal matutino, encontrou publicada uma crônica que havia escrito anos antes. No começo não acreditou – achou que devia estar enganado, que talvez fosse apenas um texto parecido, com a mesma idéia central – mas não havia dúvidas: ali estava, palavra por palavra, a crônica que havia escrito. Isso era bastante estranho, pois não se lembrava de tê-la mostrado para ninguém. De qualquer forma, deixou aquilo de lado enquanto as ocupações do dia começavam a dominar sua mente, expulsando tudo aquilo que não fosse importante à árdua luta diária contra “o mundo lá fora”. Ao sair de casa, pensou vagamente em processar os plagiadores, mas depois o estranho episódio foi banido por completo de sua consciência.

Naquela noite, no entanto, enquanto folheava uma revista no consultório do dentista, viu um artigo que era ilustrado pelo desenho de um dinossauro que tinha feito quando criança. Mais episódios estranhos se seguiram; uma foto dele com sua primeira namorada aparecia imponente no outdoor de uma marca de calças, e o catálogo de uma agência de turismo continha várias fotos que havia tirado nas diversas viagens que já fizera.

Começou a se perguntar se estaria ficando louco ou se seria vítima de uma conspiração destinada a tornar pública cada nuance de sua vida. A TV agora só passava vídeos caseiros feitos por ele, e uma vez fora ao cinema e ficara chocado ao assistir a um filme baseado em uma idéia que tivera mas que nunca registrara ou contara a alguém.

Tentando agarrar a qualquer custo a linha que separava sua vida privada do mundo público, tentando fixar aquela tênue divisa que lentamente se esfarelava, subiu ao topo de um arranha-céu e de lá contemplou a terrível verdade: todos os transeuntes lá embaixo, e todas as pessoas do mundo, reveladas a ele numa visão ilimitada, tinham o mesmo rosto – o seu.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Corrida dos Artrópodes

Caros amigos,

Hoje, depois de um período razoável sem me pronunciar, eu venho trazer-lhes uma novidade. É algo ao qual eu já me referi anteriormente, num de meus textos de conteúdo químico, mas que não me furtei a explicar, o que demanda certo cuidado e esmero.

A CORRIDAS dos ARTRÓPODEEES! (leiam como se o narrador do desenho animado do He-man leria, ou gritaria.)

É o seguinte, prestem muita atenção para que possam assimilar todas as regras.

Trata-se de uma corrida de alto grau de desgaste físico, pois exige muito da coordenação motora dos competidores. Vocês entenderam porque na seqüência.

Esse esporte de alto risco é, obrigatoriamente, disputado em duplas. O número de duplas competindo, porém, é totalmente livre. Aconselha-se apenas que o organizador da corrida se utilize de bom senso e que permita apenas um número x de duplas, que caibam confortavelmente no espaço onde a prova será realizada.

Vamos à explicação de como as coisas ocorrem de fato.

Comecemos pelo mais simples. Como o próprio nome diz, é uma corrida, e como qualquer outra o objetivo dos participantes é sair da linha de partida, após o tiro de canhão, e chegar o mais rápido possível à linha de chegada (onde Vilela/Villela/Vilella estará esperando para parabenizar os vencedores).
Claro, justamente por ser uma corrida, algo relativamente simples e sem qualquer mistério, há sempre a possibilidade de se desenvolver variantes. Pode-se adaptar a distância do percurso ou mesmo inserir alguns obstáculos neste, passando a ter, neste caso, uma Corrida dos Artrópodes com Obstáculos.

Agora o algo não tão simples, mas longe de ser complicado, mesmo porque o objetivo desse jogo é entreter as massas, e cá pra nós, o povo não quer gastar neurônios nos momentos de lazer.
Primeiramente, é preciso ressaltar o aspecto mais incomum de tal corrida, ela não é realizada de pé, mas de quatro, ou seja, com mãos e pés apoiados no solo. Atenção, apenas mãos e pés podem tocar o solo, não é permitido se apoiar em qualquer outra parte do corpo, como por exemplo, o joelho, algo muito tentador, visto que a posição de corrida é extremamente desgastante.
Além disso, citei anteriormente que a corrida deve ser feita em duplas. Aos mais sagazes talvez tenha vindo à mente a deliciosa corrida de sacos, ou aquela uma similar onde uma pessoa é algemada a outra pelo braço e perna. É sim esse princípio o aplicado nessa corrida que aqui explico.
Os dois integrantes da dupla devem se posicionar (de 4). Então, um enfiará o pé direito em um saco qualquer (aqui é possível trabalhar com diferentes tipos de materiais, desde sacos plásticos, extremamente nocivos ao meio ambiente, quanto sacolas feitas a partir de garrafa pet, um trabalho artístico e de salvação do meio ambiente muito bem desempenhado pelo COOPAMARE – Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Materiais Reaproveitáveis.) e o outro o pé esquerdo no mesmo saco. O mesmo deve ser feito com as mãos. Um enfia a mão direita e o outro a esquerda noutro saco.
Percebam que a preparação é extremamente simples. Feito isso é só correr pro abraço.
Antes de finalizar, um adendo importante. É extremamente simples, fácil e comum que um dos, ou mesmo os dois, sacos plásticos escapem dos membros dos competidores e quando isso ocorre é preciso que os corredores se detenham e se rearrumem, do contrário não têm permissão para continuar a corrida. E aqui há mais uma variável nas regras. Pode-se, tranquilamente, optar por amarrar a extremidade do saco plástico (e conseqüentemente amarrar as pernas dos corredores) para evitar que ele escape, dando assim maior dinâmica ao jogo, ou pode-se optar por um viés que exige ainda mais coordenação, que seria não amarrar, dessa maneira o saco escaparia mais facilmente, delegando a todos mais uma função, a de zelar pela integridade do saco.

Espero que todos tenham apreciado essa nova forma de diversão e que experimentem.

Porque: “Quem não arrisca não petisca!”

Um forte abraço,

Tartufo.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Alvorecer de uma sandice

Typhos era um pobre pastor das Gloriosas Terras entre o Tigre e o Eufrates, a Nação Mais Próspera do Mundo™. Um dia, enquanto conduzia suas ovelhas por uma região montanhosa, sua atenção foi subitamente capturada por algo reluzente; abaixando-se para ver o que era, descobriu um pedregulho amarelo e faiscante, diferente de qualquer outro que ele já houvesse visto. Maravilhado com o brilho daquela estranha pedra, guardou-a em seu manto e, aquela noite, decidiu mostrá-la a seu pai.

- Honrado pai – disse ele – Hoje, durante minhas tarefas diárias, encontrei algo maravilhoso, algo diferente de tudo que já vi antes!

- Por acaso é algo que faça as ovelhas se reproduzirem mais rápido, ou que possa tirar nossa barriga da miséria?

- Bem, acredito que não...

- Então não vale nada. Livre-se disso o quanto antes.

Desapontado, Typhos jogou a pedra nas caudalosas águas do Eufrates na tarde do dia seguinte.

***

Ahkbad era um pobre pescador das Gloriosas Terras entre o Tigre e o Eufrates, a Nação Mais Próspera do Mundo™. Um dia, ao lançar suas redes nas caudalosas águas do Eufrates, sentiu um peso muito maior do que o comum; prevendo a sorte grande, puxou-as o mais rápido possível. Sua decepção ao ver que não capturara tantos peixes quanto imaginara foi logo substituída pela curiosidade quanto ao misterioso brilho amarelado que se deixava entrever entre os peixes, e qual não foi sua fascinação ao descobrir que era uma reluzente pedra amarelada, diferente de tudo quanto já havia visto. Naquela noite, ao voltar para casa, dirigiu-se animado a sua esposa:

- Querida, hoje encontrei algo fantástico, a coisa mais bela que já vi nesse mundo!

- Por acaso essa coisa pode atrair os peixes para fora da água para que possamos capturá-los facilmente?

- Acho que não, mas...

- E ela pode ser comida? Já estou farta de peixe!

- Acredito que não, mas

- Então pare de preocupar-se com essa tolice e tente pescar mais peixes.

Amargurado, Ahkbad jogou a estranha pedra nas cristalinas águas do Tigre na manhã seguinte.

***

Samadia era uma pobre lavadeira e tecelã das Gloriosas Terras entre o Tigre e o Eufrates, a Nação Mais Próspera do Mundo™. Um dia, enquanto lavava roupas nas cristalinas águas do Tigre, sua visão foi ofuscada por um raio de sol refletido em seu rosto por alguma coisa no fundo do rio; curiosa, ela tateou a areia molhada até encontrar um fulgurante pedregulho amarelo, diferente de todas as outras pedras que costumavam repousar no leito do rio. Fascinada, ela a levou para casa naquela noite, com o intuito de mostrá-la a sua mãe.

- Mamãe – disse ela, naquela noite – Você não vai acreditar! Encontrei, no fundo do rio, algo que jamais se viu por aqui, uma coisa verdadeiramente maravilhosa!

- Essa coisa pode tirar a sujeira da roupa?

- Na verdade não, só que...

- E ela pode tecer roupas mais rapidamente do que nossos teares?

- Claro que não, mas...

- Então ela não tem valor algum. Desfaça-se dela e pare de me aborrecer com bobagens.

Decepcionada, Samadia colocou a pedra em um cesto de roupa lavada naquela mesma noite, para que fosse levada embora.

***

Enlil era o rico conselheiro real de Aurius, Nobre Imperador Supremo das Gloriosas Terras entre o Tigre e o Eufrates, a Nação Mais Próspera do Mundo™. Naquela manhã havia encontrado uma estranha pedra brilhante em seu cesto de roupa lavada, e agora apresentava-a a seu régio senhor como uma curiosidade.

- Nossos alquimistas passaram toda a manhã fazendo testes com essa substância, meu senhor, mas... – ele suspirou – parece que ela é totalmente inútil. É muito pouco resistente para fazer qualquer coisa que preste, e não apresenta qualquer outra propriedade interessante. Lamento informar que é apenas uma curiosidade geológica.

- Muito pelo contrário! – exclamou o Imperador, fitando fascinado a reluzente pedra amarela – Essa majestosa substância é digna de enfeitar a nobre fronte do Imperador e decorar seu suntuoso palácio! Eu declaro que essa é a mais nobre das substâncias existentes! Enlil, não poupe esforços para juntar a maior quantidade possível desse material maravilhoso e trazê-lo para cá, para que eu seja o ser mais rico de Gaia!

- Como quiser, senhor – acatou Enlil, confuso – Mas como deveremos chamar a substância?

- Ela deverá carregar meu nome – declarou Aurius, triunfante.

EPÍLOGO

- Sr. Presidente, parece que há bastante ouro negro nas Ignotas Terras entre o Tigre e o Eufrates, uma das Nações mais Pobres do Mundo™.

- Ótimo... inicie a invasão.

*********
NOTAS

*Obviamente, há algumas incoerências históricas, como o uso de alguns nomes gregos, mas eu infelizmente não sei muitos nomes mesopotâmicos (exceto pelo nome Aurius, é claro, que foi naturalmente um anacronismo necessário).

*O epílogo foi uma adição de última hora que não havia sido planejada como parte integrante da peça literária... fica como um toque humorístico (ouro negro = petróleo, para os leigos)

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Metamorfose

A mulher acordou muito lentamente, se levantou e ainda sonolenta se encaminhou ao banheiro. Lavou o rosto para tirar a areia que o Sr. João Pestana joga em todos os dormentes, mas o que saiu foi uma tinta verde musgo. Obviamente ela se sobressaltou. Olhou-se no espelho e se achou estranha, feia, amarela. Provavelmente era tudo fruto de mais uma noite mal dormida. Há já algumas noites o vento uivava lá fora e não lhe deixava descansar.
Voltou ao quarto e se despiu. Escolheu o traje para mais um dia de trabalho e sentiu-o, frio, roçar sua pele ressecada e se arrepiou. Então foi até a cozinha. Como não tinha fome partiu rumo ao trabalho.
Tão logo chegou no escritório, percebeu que todos aqueles que cruzavam por ela reagiam de forma muito estranha. Foi assim durante toda a manhã. De hora em hora (como a Tele-Sena), quando se levantava para pegar mais um copinho de suco de clorofila, todos a repeliam.
Na hora do almoço a situação foi ainda mais constrangedora. No refeitório, sempre tão cheio, ela se sentou sozinha numa extensa mesa. Nem mesmo suas melhores amigas se juntaram a ela. Na realidade, uma única pessoa veio falar-lhe. Com um olhar muito preocupado perguntou:
– Você está se sentindo bem? Talvez devesse ir para casa.
– De fato não estou me sentindo muito bem. Mas, por que a pergunta?
– Sua cara.
– O que tem ela?
– Não está muito boa, venha ver.
Foram as duas até o banheiro. Ao olhar no espelho ela teve um choque. Seu cabelo estava muito ralo e sua pele manchada, escura e enrugada. A amiga tentou acalmá-la, disse que deveria ser efeito do estresse do trabalho. Ela concordou e foi falar com o chefe, a fim de pedir permissão para tirar o resto do dia de folga para descansar.
Ela bateu na porta e recebeu autorização para entrar. Entrou, fechou a porta, mas o homem velho, gordo, de cabelo branco, sequer lhe dirigiu o olhar, continuou olhando para a papelada em cima de sua
Então ela disse: “Chefe, creio que estou doente, posso ir para casa?”
O chefe muito atarefado e muitíssimo irritado por aquela interrupção ainda mais para pedir permissão para vagabundagem, começou a blasfemar, até que finalmente olhou para ver com quem falava. Assim que pôs os olhos na sua funcionária, ele se desesperou. O que era aquele monstro na sua frente? Teria alguma doença contagiosa? Ele mandou imediatamente que se retirasse da sala e fosse embora para casa dormir.
E que só voltasse no dia seguinte se estivesse completamente restabelecida.
Voltou para casa e entrou direto no chuveiro. Ao passar o sabonete pelo corpo, sua pele lhe pareceu dura. Ao passar o xampu, sentiu os cinco finos fios de cabelo que lhe restavam caírem.

Caros colegas, amigos e brothers. Nesse momento faça uma pequena interrupção nesta humilde narrativa, com o intuito de lhes proporcionar um poder decisório no fim da mesma. Relatarei dois possíveis finais e peço que escolham um. Prossigamos.

Não podia crer. De duas uma: estava louca ou aquilo não passava de um sonho.
Resolveu se deitar para ver se acordava e nunca mais se levantou.


ou

A princípio ela ficou muito infeliz. Quem iria desejar uma mulher como ela careca, feia, dura, enrugada, marrom? Justo ela que estava na flor da sua juventude.
Ainda por cima estava agora sem emprego. Seu chefe a demitiu por temer que ela tivesse uma doença contagiosa e que essa acometesse mais funcionários que o processariam por condições de trabalho insalubres. Mas foi aí que ela teve uma brilhante idéia. Trabalharia no circo, talvez até tivesse um show só para ela, onde pudesse divertir as criancinhas. Então deitou-se e sonhou com o seu futuro como Mulher-Salgueiro.

terça-feira, 20 de maio de 2008

História de duas vidas

Alberto Brás retirou o dedo do identificador de impressão digital e, ignorando a voz robótica que já ouvira tantas vezes que havia sido completamente abstraída de sua percepção, adentrou seu apartamento de cobertura na Vila Olímpia. Com uma rápida olhada ao redor, verificou se tudo estava em seu devido lugar no amplo hall de entrada (mas é claro que estava, como ele era tolo, tudo sempre estava em seu devido lugar, e ai daqueles malditos serviçais se não estivesse) e depositou cuidadosamente sua pasta na posição de praxe, sentando-se na sua poltrona favorita e afrouxando o colarinho. Esperou que a jovem criada que lhe servia à noite – Maria, Marta, um desses nomes, mas afinal, que importância isso tinha – trouxesse a bandeja de prata com o costumeiro copo de uísque com duas pedras de gelo, a repetição quase imemorial do ritual noturno trazendo bem-estar e alívio do caótico mundo lá fora. Mas hoje algo estava diferente – talvez fosse algo no ar, ou o uísque fosse de uma marca diferente, ou ele estivesse com um princípio de doença – porque as coisas não pareciam as mesmas, e ele foi acometido por uma súbita sensação de estranhamento que o surpreendeu. Mas se tudo estava exatamente como sempre, essa rotina que fluía com a precisão de relógio e o dava conforto e prazer, então o quê?... Mas não, devia ser doença mesmo, e o melhor era dormir. Deixou o copo de uísque cheio pela metade em uma mesinha – algo que nunca havia feito – e foi deitar-se. Porém, não foi enfastiado por infindáveis minutos insones como sempre ocorria – pelo contrário, o sono veio rápido, e ele sonhou que era Dairin Vaughan, o mais temido guerreiro das terras ao norte do caudaloso Eiridrin. O doce trinado da Nainsí, a ave cujo canto é diferente para cada ouvinte (e que para ele soava como um riacho de sua terra natal, um remoto vilarejo cravado no coração das cordilheiras do leste), havia acabado de despertá-lo; lavou-se e vestiu-se, e, ao descer, encontrou dois soldados ostentando imponentemente a armadura azulada cravejada de jóias da guarda do Protetorado. “É chegada a hora”, disse um deles, e não foi necessário dizer mais; Vaughan entendeu que as tropas da Confederação de Tyr estavam finalmente se aproximando das planícies da região sul do Protetorado, e era hora de o exército agir em resposta. O soldado lhe disse que ele tinha três horas para preparar sua jornada antes de se apresentar à praça central, onde as tropas seriam reunidas – porém, Vaughan não precisaria desse tempo: se havia algo que anos de luta constante lhe haviam ensinado, era estar sempre preparado para fugir ou partir. Reuniu um pacote de roupas, algumas provisões, seus apetrechos de guerra e, por último, Erduil, sua espada fydd, forjada especialmente para ele pelo mais hábil Domador de Minério da Fenda da Valquíria. Montou em Gallahad, seu corcel branco, e partiu para a praça, onde foi apresentado às fileiras que seguiriam suas ordens – um bando de recrutas mal-treinados e provavelmente pouco familiares com as privações da guerra, não que ele esperasse outra coisa, porque afinal a conduta militar do Protetorado havia afrouxado muito desde sua juventude, e agora estavam pagando o preço nessa inesperada guerra contra a Confederação, e era melhor que os dois engraçadinhos ali do fundo parassem de rir porque ele esperava que seus subordinados se portassem de forma adequada, entendido? – e, após os generais receberem as últimas recomendações dos estrategistas militares, a marcha do exército se iniciou. Foram horas penosas, que prenunciavam as dificuldades que ainda estavam por vir – a alegre mentalidade urbana se evaporava enquanto elas marchavam sob o sol a pino para longe da alegre cidade de Líoch através das areias escaldantes da Planície do Sol Eterno, e até Vaughan teve de lutar para esconder o medo que sentia da macabra Floresta Sussurrante, onde montaram acampamento naquela noite. Ao se deitar em seu lugar na tenda dos comandantes, ficou aliviado em enfim ser abraçado pelo sono, e ser arrebatado por um vívido sonho no qual era Alberto, que acordava confuso daquela estranha noite. Sentado na cama, chacoalhou a cabeça para espantar os macabros sussurros que assombravam a floresta de seu sonho. Estranho, definitivamente estranho... não só o tema de seu sonho como o fato de ele se lembrar dele eram coisas absolutamente incomuns. Seus sonhos geralmente se amontoavam a um punhado de recordações confusas sobre escritórios e pastas arquivadas fora do lugar, quando muito; aquele sonho barroco, com suas vívidas imagens surreais, não se assemelhava em nada à idéia que ele tinha de uma noite de intensa atividade onírica. Lembrando-se da noite anterior, ele não podia deixar de ligar aquilo à sensação de mal-estar... – não, não era mal-estar, antes um certo estranhamento... – que ele havia experimentado. Suas divagações começaram a ser perturbadas por uma vaga inquietação, e demorou alguns instantes para que ele percebesse o que estava errado – o entendimento fulminante veio quando ele pousou os olhos com maior atenção sobre o mostrador do relógio no criado-mudo. Dez e trinta e sete! Meu Deus, ele estava terrivelmente atrasado para o trabalho! A troca de roupa foi severamente dificultada pelo estado de agitação e nervosismo no qual ele se encontrava, que piorou quando o chofer lhe informou que não conseguia encontrar a chave do carro, levando sua mão trêmula a derramar a xícara de café na camisa. Após perder ainda mais tempo trocando a roupa manchada, ele informou o silencioso chofer que tanto amaldiçoara minutos atrás de que iria pegar um táxi, pois já estava terrivelmente atrasado... enquanto esperava o elevador, perguntou à Mariana, ou seria Muriel, ao diabo com o nome da maldita mulher, porque não lhe chamara quando havia percebido que ele não acordara no horário habitual... não, não me venha com essa de eu achei que o patrão queria dormir um pouco mais hoje, você sabe muito bem que essa residência tem horários, e os horários têm de ser respeitados... mas aí está a droga do elevador, como demorou, terminaremos esta conversa à noite. Lá embaixo, um maldito trânsito dos infernos, mas esta avenida nunca fica parada assim... era um complô, tudo só podia ter sido combinado para estragar de vez seu dia. E pensar que tudo isso estava acontecendo porque havia dormido mais de duas horas a mais do que era de costume, o maldito sonho se infiltrando nas engrenagens cuidadosamente lustradas da rotina e enferrujando-as... quando enfim chegou ao local da importantíssima reunião bimestral do departamento financeiro, foi chamado de lado pelo diretor de RH e veja bem, seu Brás, não é que o senhor não seja estimado pela empresa, o pessoal da Ellipsis bem sabe o quanto o senhor fez pelo bem dessa corporação, mas é que a queda das ações, e a necessidade de contratar pessoal novo, o senhor bem concordará que um toque de frescor de vez em quando é muito recomendado... mas não, não tentem me fazer compreender, vocês não reconhecem o meu trabalho, logo eu que me mato diariamente para fazer essa empresa ir pra frente, vocês não têm o direito de me demitir, não têm, por favor não se exalte, senhor Brás, vou ser obrigado a chamar o pessoal da segurança, ninguém aqui trabalha tanto quanto eu, estão ouvindo? Ninguém! Se a Ellipsis está onde está hoje, é por minha causa, me solte, seu gorila, você sabe quem eu sou? Mas lá fora ninguém sabia quem ele era, e tudo era hostil, as cores difusas da cidade se confundiam em seu desespero, e era claro que ele tinha sido demitido porque tinha chegado atrasado, só porque tinha chegado atrasado, e era tudo culpa daquele noite amaldiçoada, e me dê mais uma cerveja, barman. O mundo agora era só um borrão multicor confuso e indistinto, e sua percepção estava tão embaralhada que ele nem notou quando foi agarrado pelas mãos reconfortantes do sono, e jogado de volta para o chão duro da floresta. Seu corpo doía inteiro; ele estava bem acostumado a dormir nos piores lugares, mas esta noite havia sido turbulenta e mal-dormida, provavelmente se mexera bastante, quando na noite daquele dia remoto no qual matara um soldado inimigo pela primeira vez. Levantou-se zonzo, levemente irritado por não ter conseguido descansar plenamente como esperara. Mas agora era preciso levantar de qualquer jeito e encarar as dificuldades do dia que raiava. Os recrutas já desmontavam o acampamento, e o exército foi rapidamente reunido e ordenado, preparando-se a marcha. Um dos outros comandantes o chamou para um canto afastado e o colocou a par de notícias enviadas recentemente pelas sentinelas avançadas. Parecia que as tropas da Confederação estavam progredindo mais rapidamente do que o previsto. Talvez a batalha não se desse no Vale de Elnor conforme os estrategistas do Protetorado haviam planejado; talvez eles atingissem uma possível zona de combate nessa mesma noite. Vaughan despediu-se de seu colega com o pretexto de organizar as fileiras de seus subordinados; no entanto, o que ele mais queria era conseguir esconder a apreensão que ele sabia que não seria capaz de impedir de transparecer em seu rosto. Apesar de ocupar um posto equivalente ao de todos os outros generais, ele Vaughan era uma espécie de líder informal daquele exército; sua experiência no campo de batalha ultrapassava a de qualquer outro soldado ali presente, e sua perícia nas artes da guerra era bem conhecida. Se ele conseguisse se manter calmo e confiante, ao menos na aparência, então talvez os outros soldados se refugiassem no pilar de sua segurança (e ele sabia, é claro, que o outro comandante lhe havia informado dessas novas menos para mantê-lo a par dos acontecimentos do front do que para testar sua reação). Vaughan estava consciente de seu dever de ser um raio de luz cortando as nuvens negras da tempestade vindoura; sim, pois as coisas iam de mal a pior. O Protetorado havia sido pego completamente desprevenido por essa súbita invasão, e seu exército despreparado e mal-treinado não era páreo para as disciplinadas tropas da Confederação. Para vencer esta batalha, eles dependiam de dois únicos trunfos: o medo e a admiração despertados respectivamente em inimigos e aliados pela figura lendária de Dairin Vaughan, e as estratégias de batalha cuidadosamente planejadas com antecedência. Agora que um imprevisto havia feito ruir esse apoio estratégico, Vaughan sentia em suas costas o enorme peso de ser, simbolicamente, a única esperança de milhares de pessoas – como ele poderia atender todas essas expectativas se nem ele estava confiante quanto ao futuro? A única coisa que lhe restava era o brilho ofuscante do inevitável, mas não era mais possível desviar os olhos, ainda mais agora que o encontro derradeiro havia sido adiantado em um ou dois dias. As histórias narravam o modo destemido como ele sempre caminhava para a batalha, mas isso era obviamente uma invenção romântica – não havia nada que lhe inspirasse mais medo do que a aproximação de um conflito armado, a possibilidade contínua de perder sua vida, que por sorte (ou por milagre) sempre havia sido poupada. Dessa vez, porém, ele tinha um mau pressentimento. Não era difícil estimar o resultado da batalha – as tropas do Protetorado estavam em clara desvantagem – mas ele sentia algo mais carnal, mais profundo... um sentimento que lhe fora inspirado pela primeira vez no dia anterior, mas que agora se reforçava como um presságio de um desfecho desagradável – talvez a morte, talvez a derrota e escravização, talvez a invalidez, talvez algo que ele não conseguia expressar com palavras mas que temia mais do que todas as outras coisas – para aquela batalha. O estranho sonho que tivera naquela noite e que agora começava a recordar flutuou no caos de seu pensamento, juntando-se à onda turbulenta que abalava as próprias estruturas de seu ser. As vívidas imagens de um mundo estranho e distante que havia visitado durante a noite e onde havia entrado em desespero por algum motivo que agora lhe fugia povoaram seu pensamento enquanto o novo acampamento era montado naquela noite, próximo a um desfiladeiro que eles teriam de descer à duras penas no dia seguinte. Mas tudo aquilo começou a parecer irreal e disforme quando ele deitou-se para dormir; e novamente ele foi envolvido, e novamente acordou em um corpo que lhe pareceu estranho, se bem que não era só seu corpo, mas sim todo o mundo à sua volta. As dores espalhadas pelo corpo lhe deram a primeira pista de que ele não havia dormido em sua confortável cama. Essa suspeita foi confirmada quando sua visão voltou ao foco e ele percebeu que estava em um banco de praça. Com a lucidez crescente, que começava a ordenar o caos da multitude de impressões que invadia seus sentidos e disputava sua atenção, que ele percebeu que aquilo que até então sentira como um incômodo insuportável era na verdade uma terrível dor de cabeça. Sua memória era confusa e embaralhada, pouco mais que um borrão etéreo; ao tentar remontar os eventos que o haviam levado até aquele banco onde dormira, sentia-se como se tivesse quebrado um espelho na noite anterior, e agora se esforçasse freneticamente para recompor os cacos, para poder enfim fitar seu próprio rosto. Sentia que tinha motivos para ficar furioso; mas sim, realmente, ele estava absolutamente certo em se sentir daquele jeito, pensava lembrar que havia sido despedido, mas a dor de cabeça ofuscava seu pensamento, mas sim, tinha certeza agora, os filhos da puta o tinham despedido, justo ele, que passara anos naquela empresa, e não seria exagero dizer que a tinha feito crescer com suas próprias mãos... mas não, esse mundo estava perdido, não se sabia mais apreciar o trabalho dos outros, e agora se lembrava do bar, da noite desconsolada cujas últimas horas, porém, ainda se escondiam atrás de um véu impenetrável, mas certamente devia ter enchido a cara, e agora um súbito mal-estar o fazia vomitar na grama, e pelo menos agora se sentia um pouco melhor. Ilusão passageira, porém; aí estava ele, destruído, dormindo na rua, derrubado, tendo assistido a desconstrução de tudo quanto fizera... fora humilhado, levado a se rebaixar, e agora estava aqui... o desespero da noite passada voltava com força total, e misturava-se à ressaca para criar um vazio, um vácuo absoluto que ofuscava qualquer esperança. Seria impossível reconstruir-se, pensava Alberto enquanto caminhava pela fria calçada sem rumo definido, e agora uma idéia que já lhe tinha ocorrido em surtos de depressão anteriores lhe brotava novamente, e dessa vez não era descartada prontamente como loucura, talvez por ser apenas um comando mecânico no fundo da mente ofuscado pelo peso mais tangível da desilusão e do esvaziamento do sentido de tudo quanto o rodeava. Assim, ao olhar para a esquina seguinte e confirmar que o momento era propício, não pensou duas vezes antes de jogar-se na frente do carro que vinha à toda velocidade, e acordou assustado, o coração acelerado; algo não estava certo, sentia uma dor terrível espalhar-se pelo corpo todo, e ao tentar se levantar soltou um urro de desespero motivado pela dor dilacerante oriunda de sua barriga. Olhando para baixo, viu uma espada cravada no centro de uma mancha de sangue, e empalideceu. O tempo pareceu parar, e os ruídos caóticos ao seu redor pareceram emudecer – agora que prestava atenção, surpreendia-se por não ter sido acordado mais cedo pelo clamor de combate que chegava aos seus ouvidos de todas as direções, a não ser que a luta tivesse acabado de começar, mas isso também era apenas um pensamento sem importância no fundo de sua mente – e o desespero focou a miríade de pensamentos desordenados em uma única linha de raciocínio. Tentou levantar-se, mas a dor era insuportável e ele foi obrigado a ficar deitado; conseguia ver as costas de uma pessoa desconhecida vestida de negro que no momento ocupava-se em revistar as posses de Vaughan, provavelmente em busca de algo de valor, mas isso pouco lhe importava agora. Então era isso? Finalmente morreria, assassinado covardemente, sem nem mesmo ter tido a chance de demonstrar seu valor no campo de batalha, desbancando todas as expectativas ou obtendo uma morte honrada? Sentia o pensamento dificultar-se, o raciocínio tornando-se truncado, alguém gritava desesperadamente por uma ambulância... tolos! Pretendiam salvá-lo? A vida era dele, e, se havia escolhido terminá-la ali, quem eram eles para impedi-lo e forçá-lo de volta a uma existência fracassada? Como teriam conseguido pegá-los de surpresa? E quanto às sentinelas? Teria havido traição? Via fogo dançando através do tecido da tenda, e a dor agora tomava conta de todo o seu ser, os últimos ruídos eram enfim abafados e, sentindo sua consciência esvair-se, fechou os olhos e foi abraçado pela escuridão. Ali, no êxtase final, a última fronteira da existência humana, os dois corações que pararam de bater tornaram-se um; dois seres tão distintos quanto díspares, cujas existências eram separadas por uma distância infinita – absolutamente intangível e absolutamente intransponível – porém unidas por um misterioso acaso, tornaram-se um único ser, nem Alberto Brás nem Dairin Vaughan, mas uma soma maior que as partes, um milagre da aritmética num universo além da aritmética. Em algum lugar desconhecido, uma das páginas de um inimaginável Livro Absoluto era escrita, pondo fim à estranha história de duas vidas que na verdade era a história de uma única vida.


***

Apesar de não estar totalmente satisfeito com a primeira versão desse conto, resolvi postá-la aqui. Futuras versões trabalhariam melhor o espelhamento entre os dois universos, com elementos de um interferindo e se intrometendo no outro; as próprias personalidades dos dois personagens seriam modificadas pela influência de suas respectivas contrapartes. E se você teve saco de ler até aqui, muito obrigado pela atenção.

domingo, 18 de maio de 2008

Um adendo

Aqui vai um complemento audio-visual para o texto sobre as pipocas de anteontem:

http://www.youtube.com/watch?v=OzF-mhgmd8M

Divirtam-se.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Um piruá dissonante

(Glossário - Piruá: grão de milho para pipoca que [ainda] não estourou)

Existia em um certo microondas um saco de pipoca em pleno processo transformativo. Vários segundos (uma eternidade, do ponto de vista de uma pipoca) já haviam se transcorrido desde o início do aquecimento, e uma sociedade bastante hierarquizada existia lá dentro - as sábias pipocas já estouradas mantinham a paz e a harmonia, orientando com sua experiência os jovens piruás que ainda aguardavam o momento de epifania em que se transformariam em pipocas totalmente aptas para a fatídica jornada rumo ao estômago.

Existia nesse saco, porém, um piruá diferente dos outros. Esse era um piruá bem estranho: aquecido pelas ondas do aparelho, ele vibrava em uma freqüência diferente da dos outros piruás. Quando todos os outros grãozinhos lançavam-se para cima, ele mergulhava rumo ao fundo do saco; e nos momentos de calmaria em que o som das novas pipocas a estourar cessava, ele era sempre o mais agitado.

Naturalmente, esse piruá dissonante era bastante excluído por seus jovens colegas, que o achavam esquisito e diferente deles; nas divertidas brincadeiras travadas por todo o saco (que consistiam basicamente em pular para todos os lados), ele era sempre deixado de lado. Porém, desde a mais tenra infância ele havia conquistado a admiração das pipocas mais velhas. As pipocas hippies, que tinham sal demais e por isso viviam em um estado de constante loucura, o viam como um exemplo de renovação e mudança, um piruá que, apesar de ser um entre muitos, tinha forte senso de personalidade e caráter - elas achavam que, quando ele fosse uma pipoca como elas, o ex-piruá alcançaria níveis de consciência inimagináveis e saberia como enfim viver em harmonia com o Grande Microondas e o Mundo Além. Já as pipocas mais conservadoras, que haviam ouvido histórias do tempo em que as pipocas viviam em confortáveis panelas ao invés daquela claustrofóbica prisão dupla saco-microondas, viam aquele piruá como o Messias sobre o qual tinham ouvido inúmeras profecias; elas acreditavam que um dia ele as libertaria, levando-as para viver no utópico paraíso chamado Milharal.

Por isso, aquele piruá era observado de perto com grande ansiedade pelas pipocas; elas tinham muitos sonhos sobre o tempo vindouro no qual ele se transformaria em pipoca e realizaria façanhas inimagináveis, tornando-se uma pipoca lendária que seria lembrada por muito tempo. Sempre que ele dava algum pulo mais brusco, todas as pipocas do saco prendiam a respiração, achando que a hora derradeira enfim chegara, mas todas estas ocasiões se provaram alarmes falsos.

E assim todos os piruás foram estourando e a população de pipocas foi aumentando. Até que em certo momento, quando os barulhos de formação de novas pipocas já haviam se tornado raros, o piruá-prodígio começou a vibrar loucamente, com mais energia do que nunca; a atenção de todas as pipocas se voltou imediatamente para ele - enfim chegara a tão aguardada ocasião! Ele começou a vibrar mais e mais, na sua curiosa freqüência anormal, até que...

...

...carbonizou. Era um piruá estragado.

Inspirado pela professora Ana Bruner

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Para refletir

Um litro d'água
a
Um litro d'água.
b
Feliz
c
feli
d
zfe
e
li
f
z
g
Osana, osana nas altuu-rasReggio Tartufo

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Teoria conspiratória

Às vezes eu penso que certos elementos de nosso cotidiano que nós consideramos perfeitamente óbvios e naturais simplesmente não são possíveis. Como é possível que em um lugar onde só existia mato exista hoje uma cidade – algo tão inverso do que havia antes, tão anti-natural, com suas diversas partes fabricadas, uma colcha de retalhos de elementos que diferem de forma tão gritante do mundo natural que nos gerou? Afinal, como é possível que um grupo de homens (é claro que não foram os MESMOS homens que fizeram tudo, mas mesmo assim...) derrube árvores, planifique um terreno e, no lugar, construa algo tão surreal como caminhos de asfalto por onde passam carros, casas, e tudo o mais – restando ao final lugares de onde tudo o que se avista ao redor é uma imensidão de concreto que nos faz esquecer do mundo no qual ela foi construída?

Ou como é possível que exista algo como um computador – uma maquininha cheia de minúsculas partes de metal que, na verdade, fazem cálculos mais rapidamente do que um ser humano, guardam e reproduzem com exatidão um número absurdo de informações e reagem às ações das pessoas – você aperta uma tecla e aparece uma letra no espaço intangível da tela! – além de permitir que elas se comuniquem de pontos distintos do globo? Quer dizer, como uma coisa dessas pode surgir menos de um século depois de uma época na qual as pessoas achavam genial uma máquina na qual o vapor fazia umas rodinhas se mexerem? Conta outra!

Tudo isso me faz acreditar (será?) em idéias que não são exatamente novas, mas que ganham novos desdobramentos e justificativas mediante os argumentos que acabei de expor: que esse mundo foi criado tal qual ele é há não muito tempo por alguma entidade muito poderosa – chame-a de Deus, alienígenas ou alguma outra coisa do gênero. Os motivos dessa entidade são obscuros, mas uma coisa é certa: à maneira do Deus brincalhão teorizado pelos cientistas Cristãos do século XIX, que alegavam que os fósseis não eram antigas formas de vida que provariam a teoria da evolução, mas sim falsificações deixadas por Deus para confundir e testar a fé de Seu povo, esta entidade criou toda uma mitologia para justificar o mundo que criou, vendendo-a como uma História crível. Ao que parece, esta entidade criadora não é dotada de um intelecto perfeito, pois não foi possível criar uma História que pudesse parecer autêntica em toda a sua extensão – na necessidade de encurtar períodos de avanços tecnológicos, acaba havendo certas incoerências, como o surgimento dos computadores ou dos aviões (e toda a infraestrutura subjacente), que nos permitem fazer em cerca de dez horas uma viagem que há algumas décadas demorava dois meses.

Não é possível saber quando a humanidade foi colocada neste mundo (teorizo que tenha sido em algum momento entre as últimas três décadas), já povoado por cidades, carros, lares, livros de História e organizações sociais pré-fabricadas; o raciocínio óbvio, porém, é que as primeiras gerações foram criadas com falsas lembranças de um passado inexistente (à lá “Cidade das Sombras”), dando o pontapé inicial para um mundo calcado na mentira.

“Um mundo”? Na verdade, nem podemos ter certeza de que o mundo inteiro realmente exista. Talvez só o Brasil realmente exista por completo (talvez nem ele, só suas cidades principais e outros pontos de interesse turístico); os lugares que a maioria das pessoas nunca teria interesse em conhecer (como os vilarejos agrícolas do Uzbequistão ou certos golfos da costa da Sibéria) seriam inteiramente ficcionais, e outros lugares não seriam exatamente como eles nos aparecem nos mapas. A França, por exemplo, pode muito bem ser uma ilha a algumas milhas da costa brasileira; quando os aviões partem para a França, ficam dando voltas sobre o oceano para criar a ilusão de distância e depois pousam sobre esse país tão próximo. Volta e meia nossos amigos (que com certeza conspiram com a OCM – Organização que Controla o Mundo – sendo contratados por ela para nos enganar) partem para “viagens” para lugares exóticos, voltando com fotos dos tais lugares (que com certeza foram fabricadas por computador para nos dar a ilusão de um mundo vasto e diverso).

Talvez só exista uma pequena sociedade de pessoas alheias à Grande Verdade sobre o Mundo; talvez seja um único indivíduo (repare, caríssimo leitor, que, ao contrário de minhas divagações precedentes, nas quais incorri na teoria do solipsismo, dessa vez não disse que esse indivíduo sou eu – pense nisso). Mas não seguirei essa linha de raciocínio para que meu texto não se assemelhe ainda mais a obras audiovisuais como “O Show de Truman” e a já citada “Cidade das Sombras”.

E tenho dito.

sábado, 10 de maio de 2008

O fim (das histórias de Química)

ATENÇÃO! Se por acaso você for cardíaco, grávido ou hiperativo, não recomenda-se a leitura desse texto, devido ao seu conteúdo de violência e apologia à zoofilia e às drogas!

Piada!

Quero chamar atenção ao fato de que se vocês, amigos, ainda não leram o post de 5ª-feira, façam-no. Afinal, o mesmo é imprescindível para a compreensão do post de hoje.

No último episódio eu deixei os três co-protagonistas descansando, agora acordá-los-ei para que possamos dar prosseguimento e finalizar essa incrível e verídica história.

No dia seguinte os três acordaram bem cedo, estavam bastante ansiosos. Tomaram o desjejum, se banharam, se trajaram adequadamente e saíram para falar ao povo.
Então Príncipe Markownikoff começou:
— Bom dia meus queridos! É com muito prazer que estou aqui hoje, acompanhado de duas autoridades no assunto da isomeria geométrica, para anunciar que a partir de agora esse nosso país não mais se chama Cisjordânia e sim Transjordânia. Vocês devem ficar felizes meus caros, esse é um grande passo para o nosso país, um passo, validado por essas duas mulheres de renome internacional, que nos posiciona junto ao seleto hall de nações que podem se afirmar estáveis: economicamente, politicamente e principalmente socialmente. E tudo isso, obviamente, é somente graças a vocês. O povo unido, em ordem, sob meu comando, progrediu rumo a essa estabilidade. Vocês são a estabilidade, vocês estão de parabéns!
O povo vibrou, o chão tremeu tamanha era a felicidade de todos. E aí, imediatamente todos pararam temendo se tratar de um novo terremoto, quando perceberam que era apenas a força da massa desataram a rir.
— Isso, comemoremos.
— Não, esperem. Não há aqui um único indivíduo são? Vão todos cair feito patinhos de borracha amarelos na ladainha desse príncipe fajuto?
— Alto lá! Quem é o senhor e como ousa me chamar de fajuto?
— Meu nome é Aminoácido, e ao que parece sou o único cidadão que não acabou de sofrer uma lavagem cerebral.
Era a primeira vez que ele, Aminoácido, se pronunciava. Amino, como gostava de ser chamado, era ora ácido, ora básico, em suma, possuía dois caracteres, tinha dupla personalidade. Ele era famoso por suas repentinas alterações de humor, porém isso não era algo que provocava admiração nas pessoas, ao contrário, todos se afastavam dele, ele não tinha qualquer amigo.
Ninguém ouviu Amino, viam-no como louco. Trataram de expulsá-lo e deram prosseguimento às atividades comemorativas programadas para todo o dia. Todos se divertiram muito, brincando, dançando, cantando. Até que o sol caiu e se iniciou a última e mais esperada atividade recreativa: A Corrida dos Artrópodes. Não cabe a mim explicar do que se trata essa milenar corrida, porém posso afirmar que é pura curtição e que ao final dessa disputa animal todos puderam ir para casa realizados, sossegados, descansar, sabendo que num futuro próximo trilhariam uma bonita estrada de tijolos amarelos.

FIM!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Markownikoff, o Príncipe da ___jordânia

Alguns meses depois de a IUPAC e a Orgânica terem sido libertadas pelos terríveis alcenos, após um longo tempo aprisionadas, como a última em pessoa já lhes relatou há algum tempo, elas viajaram milhas e milhas até a Cisjordânia para um encontro com o príncipe Markownikoff.
Mark, como elas o chamavam, era um velho conhecido de ambas, os três estudaram na mesma escola do primeiro ao último ano. Eles eram tão amigos que, na época do seqüestro, quando elas foram obrigadas a criar repentinamente diversas regras, elas o homenagearam colocando seu nome em uma delas.
Apesar da amizade, antes tão forte, eles não se viam há muito tempo, porém, o motivo da visita não era saudades. O príncipe estava enfrentando diversos problemas políticos, vinha sendo constantemente questionado e ameaçado e acreditou que suas amigas do passado poderiam lhe ajudar. Elas só não faziam idéia como.
O pequeno principado não vivia um bom momento, uma parcela da população não tinha acesso à escola e a saúde, passava fome etc. Para agravar ainda mais a situação, toda a região sofrera recentemente com um forte terremoto que destruíra muitas construções, deixando várias famílias desabrigadas.
Markownikoff não sabia o que fazer para conter toda aquela massa desgostosa. Já ia se dando por vencido quando leu no jornal a notícia do fim do seqüestro de suas amigas e teve uma brilhante idéia. Chamá-las-ia para que fossem testemunhas e dessem validade à mudança de nome de Cisjordânia para Transjordânia. A idéia por trás dessa estratégia é óbvia, mostrar ao povo que tudo naquela terra estava tão estável que era totalmente cabível alterar o nome de cis, que sempre denota bagunça, desordem, algazarra, para trans.
Foi então que Mark entrou em contato com a IUPAC e a Orgânica e as convidou para uma visita ao seu país. Tão logo elas chegaram, ele foi falar-lhes, sequer permitiu que descansassem um pouco, estava muito ansioso. Ele explanou todo o plano e nenhuma das duas se opôs, combinaram ir a público no dia seguinte pela manhã no intuito de dar as boas novas.
Enquanto no restante do dia a assessoria de imprensa tratava de divulgar o comício, os três aproveitaram para pôr o papo em dia e descansar bastante para o grande dia de amanhã...

Você quer saber o que aconteceu no dia seguinte? Terão as pessoas ido ao comício? Qual terá sido a reação delas? A resposta para essas e outras perguntas você terá em breve, nesse mesmo batblog, só não sei quando, por isso, continuem entrando (ou passem a entrar) sempre para satisfazer a sua curiosidade antes dos outros e mais importante antes que algum sacana te conte o final.
ngm vai comentar sobre esse brilhante texto? Ah, a continuação vem já sábado.
ps: Gostaria de fazer um agradecimento especial nesse post. Além de agradecer, mais uma vez, à Mitiko que me inspira em suas aulas, agradeço também a Denes que foi quem deu a idéia da Cis/Transjordânia. Obrigado.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Fide potentia est

Muitos já devem ter visto o texto de hoje, mas não custa fazer uma divulgação extra. Junte-se você também a essa luta contra a autocracia tirânica do grêmio!

Caros colegas do Colégio Santa Cruz,
Venho aqui alertá-los sobre uma ameaça que paira sobre nossas cabeças: o grêmio de nosso colegial.



Talvez muitos de vocês não conheçam a fundo a natureza tirânica da atual chapa no poder, e não os culparei por absterem-se de qualquer envolvimento com uma instituição tão imoral. No entanto, considero minha tarefa apontar a podridão que cresce e se fortalece no coração de nossa amada escola, corrompendo tudo o que toca.


É fato sabido que o atual grêmio é uma instituição vil e execrável, que manipula o povo santacruzense para levar a cabo suas hediondas maquinações. Mascarando suas reais intenções por meio da burocracia generalizada, que permite a participação do público apenas em reuniões confusas e mal divulgadas, cujas atas são arcanas e mal redigidas, o grêmio visa a explorar os alunos, deixando de atingir tal objetivo apenas nos casos em que se compromete por causa de sua assustadora desorganização. Lembremos apenas das festas semestrais, cuja última edição teve seu preço elevado dos habituais trinta reais para abusivos trinta e CINCO reais; ou do futcreio, cujos próprios organizadores são incapazes de informar os inscritos da data correta de seus jogos, uma vez que as datas divulgadas são sempre alteradas sem aviso prévio e sem nova divulgação. Ou mesmo de seu sórdido quartel-general, a anárquica saleta na qual se refugia toda sorte de malfeitores e facínoras, aproveitando suas freqüentes horas de vadiagem (afinal, se os membros do grêmio não fazem nada de útil, eles tem de ocupar seu tempo com ALGUMA coisa, não é mesmo?) para cobri-la com manifestações de um espírito distorcido e anti-ético, sendo freqüente a apologia ao uso de substâncias ilegais e demoníacas como a maconha e afins.


Existe, no entanto, um fiasco que talvez esteja mais marcado em suas memórias, quer por sua maior proximidade temporal, quer por suas proporções humilhantes: o boicote à cantina. Tal evento transpirava desorganização e falta de iniciativa – os confusos ideais de seus defensores não foram levados a cabo, já que a patética mobilização de apenas cinco dias obviamente não seria capaz de prejudicar a cantina. Atrevo-me a dizer que a organização corrupta atualmente no poder queria apenas sentir o gostinho de manipular as massas, causando desordem, caos e gritos difusos de “boicote!” por parte de jovens sem causa. Ouso dizer que tal chapa é composta por baderneiros, delinqüentes e patifes da pior estirpe.
O grêmio de nosso colégio já se desviou há muito dos valores Cristãos que asseguram a paz e a moralidade. Não demorará muito para que seus nefastos integrantes aprovem atividades ultrajantes como a extração de células-tronco embrionárias no laboratório de Biologia. Irmãos e irmãs, tal instituição já foi longe demais! É chegada a hora de restaurar a integridade ao governo do colegial! Por isso, eu os convoco para votar em uma nova chapa, uma chapa com um líder forte e transparente, que garantirá a paz e a moral! Votem na Santa Chapa, e lembrem-se: a Grande Irmã zela por ti!

Fé é poder; Poder é ordem; Ordem é união

Fide potentia est; Potentia ordo est; Ordo conventus est

domingo, 4 de maio de 2008

Fórum FAAP

"Bom dia Ministros",
Gostaria
Eu, após 21 horas de debate e 50 horas entre debate e pesquisa, segundo consta no certificado que recebi da FAAP, não poderia deixar de me pronunciar com relação a essa tão magnífica experiência de vida.
de
Estou aqui para desmentir meu colega Mesquinho, que duvidou do caráter íntegro e sério de tal evento. É bem verdade que não foi, nem de longe, a opção mais divertida para um feriado prolongado, ainda assim, é uma experiência da qual não me arrependo.
dizer
Apesar da participação medíocre (no sentido original da palavra = mediana, na média), beirando a insatisfatoriedade, foi uma experiência única, mesmo porque não pretendo participar de nenhuma outra simulação, que ficará para sempre guardada em minha memória.
que
Mas além disso, o IV Fórum FAAP não foi só estudo, ao contrário, teve muita curtição. Teve um festão (baladinha), que foi até boa, da qual tenho até uma foto (minúscula) numa montagem que foi feita com todas as fotos e nos foi entregue (em preto e branco), na qual além de mim estão minha colega de OMC, Aline Bozzi, e a colega Santacruziana, porém de outro comitê, o de Imprensa, Isabel Cleaver.
o prof.
Teve também uma atividade recreativa da qual optei de livre e epontânea por não participar, mas que FAP pode lhes contar melhor, creio.
Bentes
Bom, não sei mais o que dizer e também não posso me demorar aqui porque caríssimos colegas (Alan, Denes e Marco) estão ou estão chegando, no caso do último, em minha casa a fim de realizar o delicioso trabalho de história sobre a Guerra do Vietnã.
é um
Creio que por ora é só, "cedo o restante do meu tempo ao ministro da Venezuela",
inútil
Ministro da Índia.
total
ps: creio que esse post tenha deixado a desejar, mas me esforçarei para compensar no próximo, talvez com uma brilhante continuação da crônica de química.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Fórum FAP

Cá estamos nós em pleno feriado. Lembremo-nos porém que nem todos compartilham desta mesma sorte; um grande número de pessoas envolvidas com este blog (editores, leitores, aspirantes a leitores e pessoas que gostaríamos que fossem leitores [a maioria]) estão atualmente dedicando-se febrilmente ao maligno evento conhecido como “Fórum FAAP”. Essa criação demoníaca mascara-se como um inocente “jogo” de representação dos papéis exercidos nas reuniões da ONU, mas é na verdade um complicado ritual satânico elaborado por seguidores do tinhoso, cujo objetivo é sugar as almas dos jovens e privá-los da companhia de seus familiares e amigos, obrigando-os a dedicar-se integralmente a tarefas impossíveis. Neste temível evento, os participantes devem encarnar representantes de lugarejos remotos como Indonésia e Turcomenistão e proferir numa conferência as opiniões de seu “país” sobre temas obscuros como o uso militar do espaço e as ferramentas agrícolas empregadas na Tchecoslováquia no século IX. É claro que não é só o lado pitoresco dessas reuniões de cúpula que foi mantido; sua rigidez e formalidades também devem ser seguidas, obrigando os pobres alunos a vestir ternos e preparar enfadonhos documentos sobre seu posicionamento, tendo para isto que procurar por informações em sítios obscuros escritos apenas em javanês (não, esta última parte NÃO foi uma piada ou um exagero).

Como protesto à tirania imposta pelos mequetrefes organizadores do Fórum FAAP, vim aqui apresentar uma proposta alternativa e de quebra aproveitar para citar FAP, que infelizmente não apareceu em minha escrita nas últimas três ocasiões.

Neste revolucionário evento, os participantes assumirão o papel de figuras proeminentes do cotidiano de FAP (Negão, Lins, Davizão, Bruno Nahas, Tonhão, etc...) e poderão optar por qualquer uma das inúmeras excitantes competições FAPianas propostas pelos organizadores. Tais embates irão exigir o máximo de suas capacidades físicas e intelectuais, e incluem: “Conhecimento dos apelidos de FAP” (no qual o candidato deve demonstrar domínio sobre os apelidos mais comuns dessa figurinha carimbada, como Porows, Pepo, etc...), “Conhecimento dos apelidos de FAP – Expert Edition” (apenas para aqueles que possuírem um conhecimento extensivo de todas as alcunhas já associadas ao elemento, incluindo menções mais obscuras como Pirilampo, Catatau...), “Descrição de filmes à lá FAP” (requer grande domínio de expressões FAPianas para resenhas cinematográficas, tais quais “trilha sonora à lá Disney”), “História Geral de FAP” (neste desafio os candidatos devem conseguir relatar brevemente toda a saga da família Poroger em sua emigração da Polônia e estabelecimento no Brasil, passando a relatar em detalhes a vida de FAP em particular), e o desafio mais pernicioso e abstruso de todos: “Conte alguma coisa para o FAP sem que ele durma”. Tal embate feroz exigirá nervos de aço e uma preparação sem igual, sendo apenas recomendo aos mais fortes de espírito.

Companheiros, tirem a poeira dos seus exemplares do “Conciso Dicionário Geral de FAP” e comecem a estudá-lo fervorosamente, pois a data das inscrições se aproxima. No mais, desejo a todos boa sorte e um ótimo evento!

P.S.: Caro Tartufo, creio ter conseguido citar FAP mais vezes do que todo o seu histórico de citações somado e multiplicado por dois. Perdão por deixá-lo comendo poeira.