segunda-feira, 20 de abril de 2009

CCA223: Fundamentos da Literatura Japonesa I

Ao contrário do que muitos pensam, os kanji (ideogramas japoneses) não foram criados pelo povo do Japão. Tais símbolos são elementos da natureza: cada folha de cerejeira contém um ideograma. O que os japoneses fizeram foi simplesmente copiar e aprender a interpretar estas combinações naturais de traços e linhas.

Quando o vento sopra e balança a copa das árvores, as folhas que se desprendem dos ramos rodopiam pelo ar e pousam na superfície cristalina dos rios e lagos. Lá, os vários ideogramas se juntam ao acaso, soletrando idéias, poemas, narrativas; aqueles que sabem ler reunem-se nas margens dos lagos e lá vislumbram canções épicas e histórias de tempos passados, além de supostas profecias e presságios. Na literatura japonesa, não há a concepção de autoria; não há escritores, apenas escribas - homens que se dedicam a copiar os versos compostos pelo flutuar das folhas de cerejeira.

Esta é uma escrita fluida e efêmera; com o balanço das águas, as pétalas se recombinam infinitamente, gerando um número também infinito de escrituras; com sua dinâmica caótica e imprevisível, a água é reverenciada pelos japoneses como o maior contador de histórias do mundo.

O título é uma referência ao modo como as matérias da USP são nomeadas

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Da confecção de ovos de chocolate

Como já dizia o nosso querido Reinaldão, toda força tem uma reação de igual intensidade e sentido contrário. Aparentemente, tal lei não aplica-se somente aos domínios de Newton, e pode também ser observada no campo de interesse de Marx e Durkheim (vulgo "a sociedade").

Sim, meus amigos; pois quanto mais nossa sociedade se torna industrializada e de massa, mais surge a tendência do "faça você mesmo" - uma aparente escapatória para a economia de consumo de massa. Porque quem é consciente, alternativo, descolado, diferente, não compra os produtos industrializados que todo mundo tem; não, essa pessoa precisa ser única. Então, para se diferenciar, para não se inserir no mercado de massa e desalmado, ela se sente impelida a fabricar os produtos ela mesma - dar o seu toque pessoal, criar um produto único e diferenciado, avesso à produção em série.

Cada época exige algo diferente de suas humildes habilidades de artesão - no aniversário dos seus amigos você procura fazer algo criativo e com um toque de humor, no Dia das Crianças você dá brinquedos educativos feitos em casa para seus sobrinhos, no Natal você se esforça para ter uma idéia mirabolante para presentear aquela pessoa que sempre ganha o mesmo conjunto de presentes (uma gravata, um vidro de perfume e um livro qualquer que deu na Veja da semana passada)...

E na Páscoa... bem, na Páscoa você obviamente quer criar um ovo de chocolate artesanal, feito em casa, com carinho e amor, bem diferente do ovo das Meninas Superpoderosas que n+1 crianças vão ganhar nesta Páscoa e em todas as Páscoas. Para presentear aquela pessoa especial, você resolve fazer você mesmo um ovo.



E lá vai você na internet, essa verdadeira Biblioteca de Babel (ver conto homônimo do Borges), a fonte de todo o conhecimento do homem moderno. Você encontra aproximadamente dez milhões de receitas de ovos de páscoa caseiros, dando instruções conflituosas, fornecendo dicas bizarras (o chocolate deve ser trabalhado na temperatura de 28 graus celsius, o chocolate deve ser "suado" antes de ser embalado, as fôrmas de silicone são melhores, COMPRE VIAGRA PREÇOS ACESSÍVEIS CLIQUE AQUI, etc.), mostrando fotinhos que fazem com que o processo todo pareça muito fácil.

Você enfim escolhe uma das receitas. Próximo passo: encontrar a tal da fôrma. Dica: reserve mais algumas horinhas de pesquisa na internet pra conseguir achar um estabelecimento que venda fôrma de ovo de páscoa e não fique em Pirapora do Bom Jesus. E, é claro, quando você chegar lá, todas as fôrmas terão sido vendidas e a encomenda com as novas só chega amanhã.

Próximo passo: peregrinar pelo Largo da Batata até encontrar outra lojinha que venda o produto desejado. Quando você finalmente encontrar, as vendedoras vão tentar te empurrar uma dúzia de outros produtos afins: papel chumbo colorido pra embrulhar o ovo, papel celofane, fitas coloridas a 10 reais o metro, cestinhas de vime super fofuxas, chocolate para derreter, o livro Como Fazer um Ovo de Acordo com o Tao Interior, do Guru Swamawhiestheda...

Aí, quando você finalmente for fazer o tal do ovo, você vai perceber que não é tão fácil quanto as figuras fazem parecer. O chocolate derretido nunca fica tão cremoso e perfeito quanto o da foto; as camadas de chocolate não ficam homogêneas e lisinhas; é um suplício tirar o ovo da fôrma; e por aí vai, numa lista de desventuras culinárias que preenchem uma tarde inteira.

Mas enfim, depois de derreter o chocolate, aplicá-lo em camadas sobre a fôrma tomando o cuidado de esperar cada camada solidificar na geladeira antes de passar para a próxima, tirar o ovo da fôrma (deformando-o consideravelmente no processo), embalar em papel chumbo (e você percebe que a folha que você comprou não é suficiente para cobrir o ovo inteiro), juntar as duas metades ("Por que elas não encaixam? A fôrma era a mesma!") e lutar para embrulhá-las no celofane e fazer o lacinho sem que elas tornem a se separar, você finalmente tem o seu ovo caseiro, artesanal, único.

Artesanal mesmo? Sim, porque não foi você que fabricou a fôrma ou fez o chocolate; ambos são produtos industrializados que você comprou prontos. O mesmo pode ser dito do papel chumbo, do celofane, do lacinho, e dos N itens que você poderia ter comprado pra incrementar sua obra (rosas de glacê, chocolate branco pra fazer pequenos detalhes, cestinha de vime, cartão de coração, etc.) A sociedade do "faça você mesmo", então, revela-se como um mero apêndice da economia de massa: ao invés de comprar o produto industrializado pronto, você compra os componentes industrializados e os recombina. As tais pessoas super criativas e alternativex que fazem os próprios presentes continuam seguindo a lógica do mercado; apenas trilham um caminho alternativo, oferecido pelo próprio mercado.

Bom, enfim. O ovo ficou gostoso, pelo menos.

Ah! Uma boa Páscoa pra todos vocês, com ovos feitos em série ou não.