quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Caminhando de um ponto A a um ponto B

Após munir-me dos equipamentos necessários, pularei a janela do meu quarto e demolirei a parede da casa à marretadas. Prosseguirei dessa forma, destruindo quaisquer construções que me estejam diretamente à frente e afastando eventuais patifes dispostos a atravancar a empreitada brandindo ameaçadoramente a marreta. Os carros terão de frear abruptamente e desviar-se perigosamente, pois não respeitarei semáforos, faixas de pedestres ou sinalizações de trânsito. Chegando à serra, escavarei um túnel que me conduzirá através dos morros diretamente para o litoral; após abrir caminho implacavelmente entre as hordas de perplexos banhistas, chegarei à difusa zona onde o mar lambe a areia, e lá meu corpo se converterá em chumbo e desenvolverei brânquias. Subindo e descendo sinuosamente pelas planícies e depressões secretas do fundo do mar, enfim emergirei em praias estrangeiras, onde não serei detido pelos curiosos balbuciando línguas desconhecidas e tentando fotografar-me. O próximo rol de obstáculos será bastante variado, mas disporei de uma grande variedade de equipamentos para enfrentá-los: um lança-chamas para derreter geleiras, uma flecha na qual amarrarei uma corda e que atirarei no tronco de uma árvore distante para poder dependurar-me por cima de um poço de areia movediça, uma roupa de amianto para atravessar as profundezas de um vulcão, um manto bege para disfarçar-me dos salteadores do deserto. Enfim chegarei a uma remota colina, na qual acolherei o júbilo infinito deste momento único e congratular-me-ei internamente por ter percorrido a distância mais curta entre dois pontos.



Aos entusiastas que porventura estejam considerando empreender tal jornada, recomendo o simplérrimo procedimento a seguir para definir o itinerário:
1) Dependurar um mapa múndi numa parede
2) Atirar um dardo para definir o ponto de destino
3)[opcional] Atirar um novo dardo para definir o ponto de início, caso não se deseje partir da própria casa

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Ensaio sobre a visão

A luz fere os olhos; ela ofusca. Por isso, é muito mais fácil buscar o conforto da escuridão. No escuro, exalta-se o ego, a perspectiva própria, e há maior possibilidade de se esquecer a realidade circundante, de se ignorar as relações deste ego com os demais aspectos do mundo. A luz revela; a escuridão oculta. Encaremos a verdade: vivemos em um mundo demasiado cruel, que não corresponde a nossos ideais humanitários e civilizados. A todo momento tentamos escapar à esse conflito entre a realidade desejada e a observável, construindo modelos mentais da existência e prendendo-se a eles.

Mas nem tudo é maniqueísmo, é claro; por mais que se diga que com certas pessoas "é oito ou oitenta", com ninguém o é realmente. Da mesma maneira que olhar a luz por si própria - a realidade em si, e não suas manifestações; a onda de luz ao invés dos móveis nos quais ela se reflete - ofusca, a escuridão total desespera. Esse corte definitivo das relações com todo o resto (por mais ontologicamente discutíveis que elas possam ser - vide o texto de abril [caramba, já faz tanto tempo assim??] "You'll always walk alone") leva a todo o tipo de desordem mental e patologia. Já aqueles que olham diretamente para o Sol (o que inclui toda sorte de escritores, filósofos e grandes personalidades em geral) podem não queimar a retina, mas acabam fatalmente se afundando na depressão e abusando de álcool e drogas.

Não, o ser humano é uma criatura miriádica, e portanto não admite extremos; a humanidade não busca a escuridão total. Busca apenas uma iluminação sombria e difusa - o suficiente para que não perca a sua sanidade, mas que também não revele as fotografias sangrentas penduradas nas paredes. Talvez aquela criança esquelética seja apenas a nova peça da coleção de primavera da Prada; a foto dos soldados definhando no campo de batalha pode muito bem não passar de uma fotografia de jogadores num campo de futebol... não, não há nada com o que se preocupar, está tudo bem.

É aí que surgem duas forças opostas, tentando equalizar a balança mas cada uma partindo de um dos dois pontos extremos. Ao longo da história da humanidade, a mentalidade coletiva (ou seja, o grau de cinza específico de cada período, o ponto entre o preto e o branco que era consensual entre a maioria das pessoas) foi definida pela luta entre essas duas forças. Uma delas engloba atitudes como o engajamento político, o ativismo ambiental, a literatura de conscientização; a outra inclui a ficção, a alienação, a anestesiação e até (por quen não?) a arte. Desviando em maior ou menor grau a humanidade dos extremos - a insuportabilidade da luz e o desespero da escuridão - essas forças criam épocas distintas, do etéreo século XIX embebido em onirismo à engajada década de 60, numa constante oscilação em busca de um equilíbrio que inexiste porque depende de idéias em constante transformação e das ideologias vigentes. Viver apenas a realidade é descartar um aspecto fundamental do ser humano - a imaginação, a criatividade. Da mesma forma, perder-se em sonhos e abstrações significa abrir mão das bases concretas nas quais se desenrola a vida. Qual a mistura ideal? Em que doses luz e trevas devem se combinar para que possamos nos deslocar harmoniosamente pelo almoxarifado da vida, extraindo o máximo dos materiais ali dispostos e ao mesmo tempo deixando nossas marcas de forma satisfatória?

Há controvérsias.




Um esclarecimento
Na ótica ocidental, os conflitos são muitas vezes vistos como uma dicotomia maniqueísta, o famoso "bem contra o mal", "certo versus errado". Traduzindo essa lógica para uma esfera metafísica, encontra-se a oposição da luz com as trevas, representações do bem e do mal absolutos. Todo bom Cristão almeja à luz e teme a escuridão (e por "Cristão" não se está querendo necessariamente dizer "professante da fé cristã", mas sim "indivíduo educado nos valores judaico-cristãos"). A idéia do texto acima era propor uma nova interpretação desta metáfora; admito que ele acabou tornando-se uma coisa um pouco mais abrangente.

Outro esclarecimento
Com este texto, finalmente cumpro o desafio de inserir a palavra "almoxarifado" na minha próxima produção literária publicada.

Um pedido de perdão
Peço perdão pela falta de regularidade nas publicações; depois de um intervalo demasiado longo, eu e Tchubas acabamos postando um após o outro.

Outro pedido de perdão
Reparei que todos os meus últimos ensaios carregam uma visão um tanto pessimista da humanidade. Tentarei me redimir na próxima ocasião.

domingo, 21 de setembro de 2008

Viagem

Mulher: Vocês, vocês... tão precisando do que (estendendo a mão para cumprimenta-los)? Pra onde vocês vão?
Menino: Pra Minas, Minas Gerais.
Mulher: Ahn... E o que você tem a ver com o Kiko?
Menino: Bom. Eu e ele...
Mulher: (interrompe) Tá, mas isso não me interessa. Você me disse que vocês (ele e o amigo) vão para Minas, certo? Então vocês vão precisar de luvas, gorros, chapéus...
Menino: Mas lá não está/é/faz calor?
Mulher: Meu! Cala boca! Aqui sou eu quem entende do assunto! Voltando, mil coisas vocês vão precisar.
Menino2: Mas a gente não vai ficar lá milanos.
Mulher: Milão? Você falou Milão? De lá vocês vão pra Milão?
Menino2: Não!
Mulher: Bom. Se vocês vão para Milão (e isso significa que eles tem $) vão precisar de muito mais coisa: protetor solar 150, bonés, sungas, cangas, toalhas.
Menino: E quanto vai dar tudo isso?
Mulher: Uma bagatela de mil contos de réis.
Menino: Mas a gente não tem esse $!
Mulher: Meu! Vocês são em 3. Divide esses 1000 contos de réis por 3. Dá o que? Uns 483,7 contos de réis?
Menino: Certo (deve ser isso).
Mulher: Então, 483,7 contos de réis, divido pra cada um de vocês em 12 parcelas. Vocês vão levar só um ano pra pagar.
Menino: Ta bom então. São 12 de quanto?
Mulher: Meu, faz as contas né?! Não sou sua escrava! Mas vá lá! 483,7 dividido por 12, dá, arredondando uns 90 contos. 12 de 90. Ta bom ou quer mais? Quer que eu desenhe?
Menino: Tá bom, tá bom. Você me convenceu. Mas eu começo a pagar quando?
Mulher: Vou deixar você dar a primeira parcela as 13 horas. Só pra você não dizer que eu nunca te dei nada. Nossa! Olha como eu sou do bem, 1ª parcela para daqui a 3 horas.
Menino: Então ta depois a gente volta.
Mulher: Bom mesmo, truta, brother, irmão, brow, fiel, fica de boa, tudo de bom, desculpa qualquer coisa, (sua mãe é minha).
Menino: Só.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Quer jogar no meu time?

O menino estava só. A menina também, ao que lhe constava. A escola era comum, os assuntos eram comuns e até mesmo os amigos eram comuns aos dois. Em suma, tratava-se de uma comunhão.
Um amigo dele, que era também dela, certa vez fez despertar no primeiro um comichãozinho no coração. Venhamos e convenhamos todos aqui sabemos que “comer e coçar é só começar”. Ele, então, coçava ali, acolá e pensava e dizia e exclamava:
- Ui, ai, ahhh, ufa.
E parava. Mas dali a pouco recomeçava. E assim foi indo até que aquela sensação prazerosa resultou num verdadeiro e insustentável prurido e ele se viu obrigado a tomar uma atitude. Estava decidido a se confessar com aquele mesmo amigo, o anteriormente citado.
No dia seguinte, pela manhã, o carinha abordou seu, em instantes, confidente:
- João, posso falar-lhe?
- Ora pois, se já principiou.
- João, não é tempo de brincadeiras. Tenho um assunto sério a resolver e queria auxílio, talvez você pudesse me aconselhar.
- Você sabe o que dizem sobre conselhos?
- Não, o que é dito acerca dos conselhos?
- Que se fosse bom ninguém dava, vendia. Os meus, entretanto, são garantia de sucesso, portanto só os forneço mediante pagamento prévio.
- João! Você está falando sério?
- Sim, sim, sim. Pois é, pois é, pois é. O mundo gira em torno do capital.
- AH! Então enfia o capital no **.
E foi-se. Estava cheio de raiva e ainda mais perturbado, mas não ia desistir, falaria ele mesmo com ela. Reuniria toda sua coragem e chegaria junto. Lá foi ele.
No intervalo ele topou com ela no corredor e disse:
- Oi! Tudo bem, eu precisava discutir um determinado assunto com você. Seria possível?
- Claro, pode falar.
- Certo, é o seguinte. Eu jogo futebol, mas eu estou sem time. Você também joga futebol e também está sem time. Eu estava me perguntando, e agora estou te perguntando, como você poderá perceber graças à entonação da minha voz ao final da próxima frase (ou ao sinal de interrogação ao final do próximo período), se você não gostaria de jogar no meu time. E aí? Quer fazer dupla de zaga comigo?
- Ahn, eu preciso pensar. E acabei de me lembrar que eu tenho que correr até a biblioteca pegar um livro emprestado. Façamos o seguinte, a gente se encontra mais tarde, na hora do almoço, no campão. O que acha?
- Legal, pode ser. Até mais.
Ela saiu correndo como prometera e ele ficou estático observando seus cabelos cor de coca-cola esvoaçando ao vento.
Obviamente, ele não conseguiu se concentrar nas aulas seguintes, só conseguia pensar no desfecho daquela história, que ele conheceria dentro de um curto espaço de tempo, e que significaria um verdadeiro fim ou novo e belo início.
Tão logo soou o gongo ele correu sala a fora, rolou escada a baixo e tomou a direção do campão. Chegou e esperou. Sabia que estava adiantado, mas ela também estava demorando.
Putz! E o visu?
Nem se lembrara disso. Fez o que pode, deu o melhor laço de cadarço de tênis que conhecia, o nó indo-coreano, penteou os cabelos com os dedos, alinhavou suas roupas e continuou na espera.
Mais alguns minutos. A ansiedade crescia, e nada, nada dela chegar. Ele então começa a andar de um lado para o outro, para frente e para trás. Até que alguém chama sua atenção:
- Oí.
Ele então se vira, o sorriso, de orelha a orelha, estampado no rosto e se depara com:
- Oi. Quem é ele?
- Você não o conhece? Esse é meu namorado. Ele também adora futebol e no momento não está jogando em nenhum time...

Moral: No amor, bem como na guerra, e bem como em qualquer outra situação, evite ao máximo o uso de metáforas, elas raramente são compreendidas.


Obs.: Esse texto foi inspirado pela minha mais nova velha (em alusão ao fato de que, na realidade, a conheço há um bocado) best. Por esse motivo, achei justo que o mesmo a ela fosse dedicado.

P.S.: Não fiquem mal acostumados com essa história de duas postagens seguidas, ou mesmo com a volta de postagens frequentes. elas só ocorreram porque seresta me inspira por demais e merecia uma atenção especial, uma homenagem e porque o texto de hj estava pronto, esperando apenas o momento ideal a ser publicado.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Dia Nacional da Seresta

Não queria, de maneira nenhuma, que esse post fizesse com que as pessoas deixassem de ler o belíssimo texto do meu colega (logo abaixo). Entretanto, após refletir brevemente, percebi que essa minha postagem não tiraria leitores do mais recente texto do Salpicão, pelo simples motivo de que já não há leitores.
Como prova a equação matemática a seguir:

0 - x = 0 se resolvida do modo convencional e levando-se em conta apenas o universo dos números reais.

ou

0 - x = ... havia um gnomo se resolvida por Tolkien.

Bom, mas tudo o que eu falei até agora é bobagera e acho que vai acabar por ocupar mais espaço do que o que realmente me traz aqui, que é, unica e exclusivamente, desejar com muita sinceridade, amor e carinho:

UM FELIZ DIA NACIONAL DA SERESTA!!!

Espero que todos deixem aflorar em seus corações o que há de mais belo, puro e musical, nesta data tão especial. Até rimou, há de ser a arte exalando pelos meus poros.

Aproveito também para deixar um abraço maior do que o mundo à grandíssissima professora Sumiko (e isso não é um trocadilho por ela ser baixinha) e a seu auxiliar de serviços Marcelinho. Ah! e para lembrá-los de que eu e Mesquinho, já confirmamos nossa presença no VII Congresso Intercontinental da Seresta, que será realizado no próximo mês, no Cantinho da Seresta (e vejam bem, com direito a visita à Casa do Poeta, e mais com leitura de textos do Próprio Poeta).

Então é isso. Um bejão a todos, e mais uma vez felicidades a todos os seresteiros e amantes da seresta de uma forma geral, como eu, Regio Tartufo e meu colega, Salpicão Mesquinho.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Sinopse de "Confissões de um guerreiro maia"

Na nova série de Hunab Ku, Pata de Jaguar (interpretado pelo veterano Pacal Balam, cuja parceria com o diretor se consolidou ao longo das séries “Sacrifício Divino” e “Pirâmides e Serpentes”, esta última premiada com dois Quetzalcoatls de Ouro) é um guerreiro que acaba de voltar para seu vilarejo natal após dois anos no cerco de Tikal. Mas a vida de Pata de Jaguar está longe de ser perfeita – ele rapidamente descobre que sua amada, Kan Boar, tem um caso com seu amigo de infância, Céu Tempestuoso.

Subitamente tomado pela ira, Para de Jaguar invoca o Deus da Guerra, Waxaklahun U-Bah-Chan, a Serpente de 18 Coelhos, e mata Céu Tempestuoso. O sacerdote da vila determina que Pata de Jaguar – seu próprio filho – deve ser exilado para pagar por seu crime, e é com muito pesar que ele é banido do convívio de seus familiares e amigos.

A partir daí, a trama gira em torno das peregrinações de Pata de Jaguar pela península de Yucatán, procurando um modo de se lavar de sua culpa e reencontrar a felicidade. Constantemente mudando sua ocupação – de jogador de pelota a escultor de máscaras de jade a comerciante com as tribos Toltecas – a jornada de Pata de Jaguar comporá “um panorama crítico e atual da sociedade maia, com suas pérolas e mazelas”, conforme alegou o diretor.

Afora estes detalhes iniciais, o enredo da série está sendo guardado a sete chaves. O diretor Hunab Ku, no entanto, já liberou detalhes promissores sobre os locais onde a série será rodada: “Conseguimos autorização para fazer algumas cenas cruciais na capela de Bonampak, e nossa equipe de produção está atualmente trabalhando em uma reprodução em estúdio de Chichen Itza, onde se desenrolarão alguns capítulos que revelarão um pouco mais do passado do protagonista”. Sobre o recorte temporal que a série abrangerá, o diretor afirmou que “a história se passa por volta de 10 Bak’tun da Contagem Longa, pouco antes da queda de Yaxchilán”.

A proposta é ambiciosa; resta aguardar para ver se “Confissões de um guerreiro maia” irá manter o patamar de qualidade que consagrou as obras anteriores de Hunab Ku.



Só para quebrar o hiato de postagens, fica aí um texto antigo que me foi inspirado por um momento de loucura aleatória.


P.S.: Todos os nomes em maia são reais; nada é produto da minha fértil imaginação.