sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cortina de Fumaça

Um dia, ao ler o jornal matutino, encontrou publicada uma crônica que havia escrito anos antes. No começo não acreditou – achou que devia estar enganado, que talvez fosse apenas um texto parecido, com a mesma idéia central – mas não havia dúvidas: ali estava, palavra por palavra, a crônica que havia escrito. Isso era bastante estranho, pois não se lembrava de tê-la mostrado para ninguém. De qualquer forma, deixou aquilo de lado enquanto as ocupações do dia começavam a dominar sua mente, expulsando tudo aquilo que não fosse importante à árdua luta diária contra “o mundo lá fora”. Ao sair de casa, pensou vagamente em processar os plagiadores, mas depois o estranho episódio foi banido por completo de sua consciência.

Naquela noite, no entanto, enquanto folheava uma revista no consultório do dentista, viu um artigo que era ilustrado pelo desenho de um dinossauro que tinha feito quando criança. Mais episódios estranhos se seguiram; uma foto dele com sua primeira namorada aparecia imponente no outdoor de uma marca de calças, e o catálogo de uma agência de turismo continha várias fotos que havia tirado nas diversas viagens que já fizera.

Começou a se perguntar se estaria ficando louco ou se seria vítima de uma conspiração destinada a tornar pública cada nuance de sua vida. A TV agora só passava vídeos caseiros feitos por ele, e uma vez fora ao cinema e ficara chocado ao assistir a um filme baseado em uma idéia que tivera mas que nunca registrara ou contara a alguém.

Tentando agarrar a qualquer custo a linha que separava sua vida privada do mundo público, tentando fixar aquela tênue divisa que lentamente se esfarelava, subiu ao topo de um arranha-céu e de lá contemplou a terrível verdade: todos os transeuntes lá embaixo, e todas as pessoas do mundo, reveladas a ele numa visão ilimitada, tinham o mesmo rosto – o seu.

5 comentários:

Salpicão Mesquinho disse...

Sua indireta não era necessária, meu caro. Meu post já estava preparado e só aguardava minha chegada ao lar.

Reggio Tartufo disse...

Hehhee.
Vc tem utilizado bastante essa palavra "indireta" não?

1) Creio que eu não "peguei" o título, mas tbm eu sou meio fraco pra essas coisas.

2) Por falar em fumaça. Esse texto é bem fumadinho né? Mas, quem sou eu...

Flw!

ps: gdggqddh
ps2: recorde. esse é o ps mais longo q eu já vi.

Anônimo disse...

Ótimo. Quem sou eu para me intrometer em possíveis simbolismos, mas acho que carece, apenas, de um desfecho grandioso. Se eu estiver falando merda, me desculpe. Mesmo pq o texto tá ótimo desse jeito.

Salpicão Mesquinho disse...

Não sou muito fã de explicar as coisas que eu mesmo escrevi, mas o título é uma referência à temática do conto: a relação entre o universo interno de uma pessoa e a realidade externa, e a difusa "cortina de fumaça" que as divide.

E acho que um desfecho grandioso teria estragado a narrativa; além do quê, o atual fornece dicas sobre a interpretação.

Anônimo disse...

sempre mantendo o grande nível.