quinta-feira, 22 de maio de 2008

Metamorfose

A mulher acordou muito lentamente, se levantou e ainda sonolenta se encaminhou ao banheiro. Lavou o rosto para tirar a areia que o Sr. João Pestana joga em todos os dormentes, mas o que saiu foi uma tinta verde musgo. Obviamente ela se sobressaltou. Olhou-se no espelho e se achou estranha, feia, amarela. Provavelmente era tudo fruto de mais uma noite mal dormida. Há já algumas noites o vento uivava lá fora e não lhe deixava descansar.
Voltou ao quarto e se despiu. Escolheu o traje para mais um dia de trabalho e sentiu-o, frio, roçar sua pele ressecada e se arrepiou. Então foi até a cozinha. Como não tinha fome partiu rumo ao trabalho.
Tão logo chegou no escritório, percebeu que todos aqueles que cruzavam por ela reagiam de forma muito estranha. Foi assim durante toda a manhã. De hora em hora (como a Tele-Sena), quando se levantava para pegar mais um copinho de suco de clorofila, todos a repeliam.
Na hora do almoço a situação foi ainda mais constrangedora. No refeitório, sempre tão cheio, ela se sentou sozinha numa extensa mesa. Nem mesmo suas melhores amigas se juntaram a ela. Na realidade, uma única pessoa veio falar-lhe. Com um olhar muito preocupado perguntou:
– Você está se sentindo bem? Talvez devesse ir para casa.
– De fato não estou me sentindo muito bem. Mas, por que a pergunta?
– Sua cara.
– O que tem ela?
– Não está muito boa, venha ver.
Foram as duas até o banheiro. Ao olhar no espelho ela teve um choque. Seu cabelo estava muito ralo e sua pele manchada, escura e enrugada. A amiga tentou acalmá-la, disse que deveria ser efeito do estresse do trabalho. Ela concordou e foi falar com o chefe, a fim de pedir permissão para tirar o resto do dia de folga para descansar.
Ela bateu na porta e recebeu autorização para entrar. Entrou, fechou a porta, mas o homem velho, gordo, de cabelo branco, sequer lhe dirigiu o olhar, continuou olhando para a papelada em cima de sua
Então ela disse: “Chefe, creio que estou doente, posso ir para casa?”
O chefe muito atarefado e muitíssimo irritado por aquela interrupção ainda mais para pedir permissão para vagabundagem, começou a blasfemar, até que finalmente olhou para ver com quem falava. Assim que pôs os olhos na sua funcionária, ele se desesperou. O que era aquele monstro na sua frente? Teria alguma doença contagiosa? Ele mandou imediatamente que se retirasse da sala e fosse embora para casa dormir.
E que só voltasse no dia seguinte se estivesse completamente restabelecida.
Voltou para casa e entrou direto no chuveiro. Ao passar o sabonete pelo corpo, sua pele lhe pareceu dura. Ao passar o xampu, sentiu os cinco finos fios de cabelo que lhe restavam caírem.

Caros colegas, amigos e brothers. Nesse momento faça uma pequena interrupção nesta humilde narrativa, com o intuito de lhes proporcionar um poder decisório no fim da mesma. Relatarei dois possíveis finais e peço que escolham um. Prossigamos.

Não podia crer. De duas uma: estava louca ou aquilo não passava de um sonho.
Resolveu se deitar para ver se acordava e nunca mais se levantou.


ou

A princípio ela ficou muito infeliz. Quem iria desejar uma mulher como ela careca, feia, dura, enrugada, marrom? Justo ela que estava na flor da sua juventude.
Ainda por cima estava agora sem emprego. Seu chefe a demitiu por temer que ela tivesse uma doença contagiosa e que essa acometesse mais funcionários que o processariam por condições de trabalho insalubres. Mas foi aí que ela teve uma brilhante idéia. Trabalharia no circo, talvez até tivesse um show só para ela, onde pudesse divertir as criancinhas. Então deitou-se e sonhou com o seu futuro como Mulher-Salgueiro.

4 comentários:

Maurício disse...

"ela percebeu que estava em uma situação kafkiana e que, portanto, estava numa história e não existia. A solução, portanto, vinha de um ou mais seres superiores que ditava seus pensamentos. E ela ficou feliz que lhe deixassem tomar consciência de seu verdadeiro mal."

Salpicão Mesquinho disse...

Alguém anda lendo muito Kafka, como já deixou implícito o sr. Schwartzman

Maurício disse...

"Schwartsman".

e obrigado por se dar ao trabalho pouco gratificante de querer ler algo meu. Ainda mais por se dar o trabalho não menos irritante de entender. Posso dar uma dica.

Maurício disse...

"Capibaribe
-Capiberibe"

como e por que sabemos desse detalhe da vida dele?