quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O dia em que ganhou um pé de pato.

Era dia 16 de outubro, ou seja, ante-véspera do seu aniversário.
Ansioso que estava pela chegada do mesmo, foi dormir cedo para que passasse a noite, chegasse o dia, passasse mais uma noite e chegasse O dia. Se deitou e pôs a cabeça no travesseiro. A mão embaixo deste sinalizava o número dois, de dois dias para ficar mais velho e ganhar presentes.
Adormeceu e acordou no dia seguinte com os punhos cerrados - sinal de que já era seu aniversário. Estranhou o silêncio, caminhou pela casa, todos dormiam. Ninguém se preparava um delicioso café na cama, nem corriam para buscar os presentes antes que ele acordasse. Havia de ser uma surpresa. E pelo visto uma das grandes.
Bom, se era, não sabia o que estavam tramando. No desjejum ninguém tocou no assunto, tudo aconteceu como um dia normal. Desolado foi para a escola, lá chegando a cena se repetia. Ninguém olhava para ele daquele jeito especial de quem está disposto a dar-lhe um pouco mais de atenção no seu dia. Se sentou, baixou a cabeça e apenas aguardou o início das aulas.
A primeira delas era PTG (produção textual e gramática). O professor entregou aos alunos uma ficha sobre orações subordinadas substantivas e, enquanto resolviam os exercícios, ele fazia a chamada. Ao chamar seu nome, respondeu:
- Eu.
e ele:
- Tenho uma coisa para você.
Pensou consigo mesmo, alguém finalmente se lembrara:
- Já sei. É um pé de pato?
- Não.
E estendeu-lhe uma redação corrigida.
Voltou à sua carteira a passos estreitos.
Aquele era, sem sombra de dúvida, o pior aniversário que já tivera. Se sentia tão mal que sequer conseguia ver graças nas piadas, anedotas ou mesmo fábulas que ouvia aqui ou acolá, justo ele que já tinha sido considerado o melhor contador de fábulas de seu liceu.
Assim o dia proseguiu, e ao término das aulas voltou resignado para seu humilde lar.
Deitou-se em sua cama, depois de um prato de grão-de-bico com beterraba, e dormiu um sono cheio de sonhos.
No primeiro deles estava o Xaveco da Turma da Mônica dizendo, desesperadamente: "Hum, hum, hum...."
Depois sonhava ser o número um na lista de chamada de sua classe.
E por último, sonhou com a propaganda do cartão de crédito Visa, o número 1 do mundo e o único aceito nas Olimpíadas.
Foi logo ao fim desse sonho que despertou com a mão formigando, maldita mania de dormir com ela sob a cabeça. Quando se deteve nela, antes de sacudi-la para se livrar da dormência, reparou no dedo indicador em riste, e finalmente se deu conta de que ainda estava no dia 17 de outubro, véspera do seu aniversário. Ficou exultante.
Como havia sido bobo. Com toda certeza, na noite passada, fechara a mão involuntariamente, o que causara toda a confusão. Agora sim, na manhã seguinte acordaria com seus familiares ao pé da cama, cantarolando um parabéns a você e trazendo deliciosos quitutes e presentes ainda mais especiais.
Porém aquela tarde parecia não passar, o relógio parecia estar contra ele. Pensou em já ir dormir, mas não tinha sono. Fez de tudo para se distrair: ouviu música, jogou CS, fez diversos trabalhos manuais: carpintaria, alvenaria, tinturaria, corte e costura, de tudo um pouco. E às 20 horas, quando finalmente pressentiu a chegada de João Pestana, escovou seus dentes, vestiu seu pijama e se recolheu a seus aposentos, esperando que o tal hominho chegasse carregando seu saquinho de veludo vermelho-tijolo e jogasse um pouco de sua areia do sono por sobre seus olhos.
Quando alguns minutos mais tardes chegou o João, pode finalmente dormir tranquilamente e foi acordar somente no dia seguinte da maneira que previra na tarde anterior.
O menino ficou muito feliz, quase deixando escapar uma gota d'água do mar.
Sentou-se, acendeu a luz do abajur e agarrou os presentes. Antes que pudesse abrir e conferir o que ganhara, sua mãe se antecipou:
- Meu filho, desculpe-nos mas não tivemos condições de arcar com as despesas da aquisição de um pé de pato.
- Não tem problema mãe. Com ou sem pé de pato, esse é o melhor aniversário da minha vida.
E todos se abraçaram e cantaram mais uma vez o hino à longevidade.
Enquanto isso, não muito longe dali, saía por debaixo das cobertas, não o bicho papão, e nem dois delicados pés brancos humanos, mas duas grandes, amarelas e enrugadas patas de patos...

7 comentários:

Anônimo disse...

é o Humberto que fala "Hum, hum, hum...", não o Xaveco.

Salpicão Mesquinho disse...

Hahahaha... certeza que você pensou nisso quando foi chamado pelo Alejandro e ele disse "tenho uma coisa pra você"! Haha

E o comentário do anônimo procede

Reggio Tartufo disse...

Verdade anônimo, perdão. Como pude não relacionar o Hum, hum, hum com Humberto.

E quanto a sua adivinhação, ela é brilhante. não importa que eu tenha dito q a aula era de PTG, nomenclatura super usual nos colégios mundo afora. Afinal, a sigla poderia muito bem designar: "Protestant Trade Gift". ou algo do tipo.

Mas pô, correções e adivinhações à parte, ngm me deu as boas-vindas de volta.

Salpicão Mesquinho disse...

Oras, podia ser que isso foi só uma idéia q vc teve depois; o que eu estava dizendo era que, na minha opinião, foi esse fato que serviu de centelha ao processo criativo.

E já que você não partiu de forma muito formal, também não são necessárias boas vindas (voltas?) muito formais; apenas sinta-se em casa.

Reggio Tartufo disse...

Eu me sinto em casa, sempre me sentirei mas eu só não parti de forma formal se por forma formal (como diria Dedé, ai q horrível) vc esteja se referindo a um post de adeus.

Mas td bm. Até breve.

Anônimo disse...

po, achava que o tchbas era contra o uso de drogas...

bem vindo de volta

Reggio Tartufo disse...

Vlw Flávio! É bom ouvir sua voz, ou ler seus comentários!!!