domingo, 10 de agosto de 2008

Anti-presente

Algum dia, muitos anos atrás, um economista astuto que analisava gráficos de vendas percebeu que Junho não era um mês muito rentável. Bom conhecedor que era das leis ocultas que regem o mercado - o princípio humano por debaixo da movimentação aparentemente impessoal de enormes somas de dinheiro - sabia que o melhor modo de esquentar as vendas era apelar para o aspecto potencialmente comercial de uma comemoração, confiando na moderna obrigação inconsciente de consumar as relações pessoais por meio da compra de presentes. E assim, seguindo a regra número um da sociedade de consumo ("Se não existe uma demanda para explorar, crie uma nova!"), estava criado o singelo e adorável Dia dos Pais (por que não? Já existia um "Dia das Mães", afinal de contas).

Existe algum tipo de obrigação oculta que faz com que as pessoas adiram incondicionalmente a qualquer coisa que esteja oficialmente impressa em um calendário, e assim todos logo aceitaram sem questionamentos o novo e arbitrário fato de que o terceiro Domingo (e não poderia ser em outro dia da semana, claro, porque o ano já tem feriados demais para furtar as engrenagens à máquina) do mês de Junho (ou em datas diversas igualmente arbitrárias, dependendo da necessidade comercial de cada país, dentre as quais vale destacar o segundo Domingo de Agosto, dia da celebração em território tupiniquim) é o dia em que todos devem subitamente celebrar o milagre da paternidade.

É claro que o aceitamento e incorporação de datas comemorativas é facilitado por uma importante tendência contemporânea: a de compartimentalizar o tempo, organizando a vida em torno de uma rotina artificial. Assim, cada pessoa carrega uma espécia de calendário interno, com anotações do tipo "25 de Dezembro: reunir a família e simular um clima de confraternização e amor" ou "1º de Janeiro: ficar eufórico com o fato de a Terra ter completado nova volta ao redor do Sol e acreditar que, por algum motivo, tudo mudou". Mas o Dia dos Pais é algo ainda mais artificial, por ser inteiramente uma fabricação, sem qualquer raiz em um motivo histórico de comemoração como "festival da colheita" ou "nascimento de um importante líder religioso".

Como alguém pode aceitar que exista um "Dia dos Pais"? Como alguém pode aceitar que se marque no calendário um dia para se desejar "feliz dia dos pais", comprar presentes e dizer coisas do tipo "ele merece, é o dia dele"? Ser pai é um processo, não um dia; é uma relação que se constrói a custa de muito conflito, não de um convívio pacífico e amoroso fingido numa data específica. Guardem o sentimentalismo barato para o Natal.

Um comentário:

Reggio Tartufo disse...

Vc já deu parabéns pro seu pai hj?

Parabéns Tia Yupa, afinal Tia Yupa é mãe e pai. Tadinha, é uma história tão triste. Seu esposo foi comprar cigarro e nunca mais voltou. Abandonou a esposa e seus 13 filhos. Mas é a vida. Por isso, ela merece. Parabéns Tia Yupa! Nós te amamos! Que você seje muito feliz, enfim, tudo de bom.