sexta-feira, 13 de março de 2009

Flor do Deserto

Lá em cima, a tempestade de areia açoita as paredes de pedra do templo, mas aqui embaixo tudo é silêncio e tranqüilidade. Há um quê de irrealidade nesta câmara subterrânea; aqui o tempo parece não correr, e o mundo externo parece não ter importância. Talvez isso ocorra porque esta sala fresca e úmida é como que um desafio à aridez do deserto lá fora.

Quando estou aqui, a confusão do mundo externo se dissipa e eu sinto que posso enfim enxergar com clareza; aqui há uma expansão dos tímidos pensamentos que povoam minha mente e que lá fora são oprimidos pela impiedosa realidade - eles parecem ganhar vida própria, tentando preencher todo o silêncio e espaço vazio que imperam neste lugar.

A câmara em si parece mais uma gruta do que uma sala esculpida por mãos humanas. O chão é ocupado por uma rede de buracos hexagonais, quase como uma colméia. O propósito desta formação é desconhecido; os buracos são preenchidos por água, formando um espelho d'água multifacetado, mas não sei se este era o propósito inicial ou se isto é apenas a conseqüência de anos (talvez séculos) de abandono. O reflexo produzido na superfície aquosa duplica a sala, criando um mundo idêntico, embora invertido; no hexágono que fica no centro exato da sala, ali onde os dois mundos se tocam, cresce uma rosa, tanto para cima quanto para baixo.

Lá em cima, não há nada vivo por quilômetros; apenas dunas e rochas. Aqui embaixo, no entanto, nasceu esta rosa - um fragmento de vida escondido num ventre secreto sob o deserto, a antítese de sua pele arenosa e morta. Entre as ruínas de uma civilização esquecida pelo tempo, nasce um monumento à esta civilização, e a todas que a precederam e sucederam: um símbolo que sintetiza toda a vida do Homem neste mundo - a luta contra a morte.

Sim, a luta contra a morte. A luta para estender a vida, tanto literal quanto figuradamente. Este templo foi erguido por mãos que há muito estão mortas; o produto do planejamento e da força de vontade que moveram aquelas mãos, no entanto, perdura.

Ontem tive um sonho. No meu sonho, a rosa crescia, crescia e tornava-se gigante; rompia o teto desta câmara, destruía as paredes do templo, e por fim brotava no solo infértil do deserto.

No entanto, este crescimento obviamente implicava também um crescimento no sentido oposto; no seu reflexo, a rosa penetrava cada vez mais nas profundezas da terra...

Uma rosa bilateral, gigantesca e maravilhosa; mas acima de tudo, transitória, uma pequena brecha na aridez do deserto antes que suas pétalas fossem carregadas pelo vento.

2 comentários:

Reggio Tartufo disse...

BRAVO! Muitíssimo poético e belo.

Anônimo disse...

gostei muito.
parabéns!

ps: o textinho pra ver se eu sou uma pessoa de verdade aqui lia-se "pares"... Coincidencia?