domingo, 22 de março de 2009

God is a Writer*

Jamal Malik está a uma pergunta de ganhar 20 milhões de rúpias. Como ele conseguiu?

a)Ele trapaceou

b)Ele é sortudo

c)Ele é um gênio

d)Estava escrito

~ "Quem quer ser um milionário?"


Existia um escritor; divergentes pontos de vista existem sobre seu trabalho. Alguns dizem que ele era louco; outros, que era megalômano; ou então idealista, genial, meticuloso, inovador, ousado... Alguns dizem que seu nome é Alá; outros, que é Jeová; ou mesmo Elohim, Brahma, Ahura Mazda... Deus, para os íntimos.


Não importa quem é ele (ou Ele), nem o que se acha sobre ele. O que aconteceu é o seguinte: em algum local obscuro (um palácio celeste, o centro da Terra, o segundo anterior ao Big Bang, um porão abandonado e cheio de ratos em Londres) que permanece secreto até hoje, ele escreveu freneticamente. Não se sabe quanto tempo durou este processo; podem ter sido milênios, alguns segundos, ou até mesmo um instante tão infinito quanto inexistente. O que se conhece é o resultado: uma obra imensuravelmente extensa, maior do que a de qualquer outro autor, vivo ou morto.


Alguns criticam esta obra; dizem que ela é desconexa, enfadonha, resumindo-se a relatar a vida de bilhões de personagens, a maioria das quais é completamente tediosa e sem brilho. Os personagens são confusos, nunca sabem o que querem, gastam seu tempo fazendo coisas inúteis... porém, no momento, não me proponho a fazer um juízo sobre estes escritos. O fato é pura e simplesmente este: o tal escritor dedicou-se a escrever meticulosamente toda a vida de um enorme número de pessoas, dispersas em um período de milhares de anos.


Isso não era suficiente, no entanto; porque Deus, além de escritor, era dramaturgo. Depois de produzir aquele enorme número de manuscritos, o próximo passo era adaptar a obra para o teatro. Não poupou esforços para tal: construiu um imenso palco esférico, diferente de tudo que já havia sido tentado no ramo das artes cênicas até então. Quando tudo estava pronto, teve início a grande peça: milhares de atores passaram a povoar o palco, e começaram a atuar.


A peça era um desafio à sanidade de qualquer espectador: havia diversos núcleos de ação, todos ocorrendo concomitantemente em cenários diversos. Os papéis dos diversos atores se entrecruzavam, de formas muitas vezes misteriosas e que só seriam compreendidas com o olhar distanciado de séculos mais tarde. Os próprios atores não tinha consciência de sua condição de meros veículos de um texto já escrito, e tropeçavam timidamente pelo palco; todos eles de alguma forma coadjuvantes, mas todos acreditando desempenhar o papel principal.


Com o tempo, alguns dos atores cansaram de simplesmente atuar, e tornaram-se críticos de teatro; ocupavam-se em analisar a peça, reclamar dela, criticá-la, dar suas opiniões quase sempre disparatadas e divergentes, e, acima de tudo, tentar compreender o enredo. Muitos tentaram em vão apreender aquele texto misterioso, aquele manuscrito que, ao mesmo tempo que era buscado, descrevia a busca; o Roteiro Divino era maior do que todos eles juntos, englobava e superava a cada um deles, mas isso não os impedia de almejar compilar uma reprodução de seu texto, a tentar depreender das ações que observavam as palavras que regulamentavam e descreviam e antecipavam aquelas ações.


O grande passo da evolução da percepção humana foi compreender a natureza escrítica (neologismo meu) das paisagens e ações que povoam o mundo; uma vocação comum une padres, filósofos, físicos, poetas e matemáticos: observar o mundo e tentar ler a escrita oculta que ali se encontra.


E enquanto isso, continuam todos eles representando um papel já escrito, um romance tortuoso e repleto de reviravoltas que encontra-se escondido em algum lugar misterioso, ditando o rumo das ações de cada homem...

Inspirado por JBCBC


* O título é uma homenagem à renomada música groove "God is a girl", que não pode deixar de estar presente em qualquer baladinha que se preze

2 comentários:

Reggio Tartufo disse...

João vc é meu fã. Qr dizer eu sou seu fã. Mal, é que pra mim é mais comum dizer a primeira frase. heheheh.

Anônimo disse...

nossa joao parece que depois do seu grande retorno a qualidade dos textos melhorou muito!
parabéns!

abracos

ps: farei de tudo para impedir esse blog de virar um blog fantasma, eu prometo